A geração do cinema ou o cinema da geração 80

Vencedora do Prémio Nacional de Cultura e Artes 2016, na categoria de cinema, com o documentário Independência, a Geração 80 é uma produtora angolana que nasce de uma geração pós independência, apresentando em seus trabalhos a dinâmica urbana, e funde estes trabalhos no seu empenho ao desenvolvimento da cultura e artes.

Fomos a conversa com Mario Bastos, um dos realizadores, que falou-nos da “geração” em 2016. Não deixam de estar em questão o estado do cinema nacional e a futuras produções da Geração 80 para este ano.

Como é que foi o ano de 2016 para a Geração 80, relativamente à realização de projectos?

O ano de 2016 para a Geração 80 foi um ano bom. Tivemos muitos projectos (dentro do áudio-visual). Nós fazemos projectos no cinema, na publicidade, na música, fazemos filmes institucionais e corporativos, então, no ano passado, fizemos bastantes projectos nas diversas áreas. Também fizemos vídeo-clips e cobertura de concertos.

Relativamente ao cinema, foi o ano em que nós estivemos a divulgar o filme “Independência” do qual fui realizador. Foi um filme que ficou completo e terminou a sua produção em 2015, mas 2016 foi o ano em que o filme esteve em festivais e teve destaque em festivais de cinema africano, como o festival de Durban, na África do Sul. Também, ainda dentro do cinema, produzimos um filme, como filme da CPLP que é “Do outro Lado do Mundo”. Este filme foi realizado por Sérgio Afonso, que também é da Geração 80, e foi produzido pela Tchiloia Lara e vai estrear neste ano. O filme foi produzido no ano passado, foi gravado, editado e terminado no ano passado, mas só neste ano vai estar nas televisões dos países membros da CPLP. Então, dentro do cinema, foi bom, foi um ano importante para nós, apesar de ainda estarmos a fazer muito cinema documental, e nosso objectivo é fazer também cinema de ficção. Foi um ano marcante, terminámos um projecto e começamos logo outro.

No que concerne à publicidade, a maior que fizemos no ano passado foi para a Unitel. Esta foi a nossa primeira publicidade, mas, além desta, também fizemos outras de menor porte.

Relativamente aos vídeos, fizemos oito vídeo clips para o novo álbum do Nastio Mosquito. O álbum é visual e foi uma experiência interessante. Foi a primeira vez que fizemos oito vídeos para um artista que estava a lançar um álbum. Ou seja, aconteceu muita coisa, e, no final do ano, dá a sensação de que o ano foi muito longo, porque realmente estivemos em muitos sítios. Também viajamos bastante para fazer alguns projectos mais institucionais e corporativos, estivemos no Huambo, Lubango, Cunene, Kwanza-Sul, Moxico; então, foi um ano preenchido para nós. Entretanto, ao mesmo tempo que isso tudo estava a acontecer, obviamente que a situação económica do país também não ajudava, mas foi-nos dado por parte das pessoas que trabalham connosco um voto de confiança e foi necessária muita dedicação em tempos de crise.

|| making of || GATUNO EiMIGRANTE & PAI DE FAMILIA! Novo album do Nástio Mosquito Dia 15 de Setembro, o mambo vai estar online! Foto de: Paula Agostinho

O que move a Geração 80?

O que nos move é a possibilidade de criarmos conteúdos áudio visuais angolanos, contar histórias nossas para nós e também para divulgar para outros países africanos e para o resto do mundo.

Somos movidos por ideias. Há sempre uma ideia. E a partir do momento que surge uma ideia, pelo menos em qualquer pessoa aqui, na Geração, nasce também aquele bicho, aquele vírus que é impossível de eliminar e não nos deixa quietos. E até essa ideia ser concretizada, divulgada e espalhada por todos, nós não ficamos satisfeitos. Portanto, essencialmente, a oportunidade de criar produtos áudio visuais, partilhar ideias, partilhar momentos com pessoas, é o que nos move todos os dias.

Uma curiosidade: porque Geração 80?

O nome não veio, porque somos da geração 80, mas porque maior parte de nós nasceu em 80. Muitos viveram a época 80 enquanto jovem, mas o nome geração 80 vem, porque somos a geração do pós-independência, ou seja, depois de 75. Então, a ideia, para nós, era captar um pouco este espírito da geração que veio depois da independência, captar esta capacidade de criar e fazer coisas de maneira criativa com o pouco, esta necessidade de partilhar e colaborar com as pessoas.

A Geração 80 foi o grande vencedor do Prémio Nacional de Cultura e Artes, na categoria de cinema e audiovisual, com o documentário “Independência”. O que esse prémio significou para vocês?

Ganhar o Prémio Nacional de Cultura e Artes com o nosso documentário Independência teve um valor muito grande, porque é um prêmio importante, talvez o maior prémio que temos no país para cultura e artes. E ganhar com o projecto Independência, que foi longo e tinha como objectivo captar as memórias e partilhar os males daqueles que lutaram pela independência do nosso país, significou muito para nós.

O Independência resultou de um encontro de gerações: a nossa, a geração de 80 e aquela que participou.
Ganhar esse prémio para nós, equipa do Geração 80, teve um significado muito especial. Normalmente, não se recebe esse prémio tão cedo, e, provavelmente, este vai ser um daqueles momentos que ficará na nossa história para sempre. E talvez não teria sido possível, se não tivéssemos feito sobre este tema e/ou pela solidariedade entre as duas gerações: uma para partilhar e outra para ouvir.

Como é que as pessoas reagiram ao documentário?

As reacções têm sido boas. Mas, inicialmente, pensávamos que estávamos a fazer apenas um documentário para geração mais nova, ou seja, a nossa. Mas cedo nos apercebemos que era um documentário que valia não só para a geração que não participou, mas também para a geração que participou, porque um dos motivos que nos fez fazer esse filme foi porque achamos que tinha que haver maior diálogo entre as gerações. Aqueles que participaram não partilham muito as suas histórias, e os que não participaram não mostram muito interesse e não querem ouvir, e, às vezes, fica esse vazio: ninguém está a falar com ninguém. Então, acho que a melhor reação que nós temos recebido, não só sobre a importância do filme, é como o filme inspirou algumas pessoas a conversar sobre esta época. Isso para nós tem sido o melhor feedback sobre a importância do filme.

Sei que o documentário Independência foi exibido nalgumas províncias do país. Vocês conseguiram levar ele para todas as províncias?

Não conseguimos levar para todas as províncias. Mas fomos o primeiro filme a estrear em quatro províncias: Luanda, Benguela, Lubango e Malanje, nas salas de cinema com nível profissional. Ou seja, o filme estreou em conjunto nessas quatro províncias, mas, infelizmente, porque não é um filme mega comercial, algumas salas de cinema não nos deram muito tempo. Acho que o mínimo que o filme esteve em exibição foi no Belas onde ficou duas semanas apenas, mas, por exemplo, em Malanje, ficou um mês.

Entretanto, a nossa ideia – e nós já tínhamos noção disso – era, assim que acabasse o seu período nas salas de cinema, começar a divulgar o filme. Então tivemos muitas sessões em universidades, associações, escolas, sessões abertas onde nós mostrávamos o filme e depois falávamos com os estudantes e pessoas. Mas ainda temos o objectivo de divulgar o filme por alguns locais por onde passamos e recolher testemunhos.

Todas as sextas-feiras vocês publicam na vossa página do facebook um REC. Qual o principal objectivo dos rec´s que vocês publicam?

Quando a gente divulga um rec diz sempre que “são imagens num de formato crítico-social e tudo mais…” tem lá uma explicação. A ideia com os rec´s surgiram, porque há tanta coisa a acontecer no país – não só na cidade de Luanda – que nós achamos que é importante gravarmos não só para o futuro, mas também para, no presente, podermos reflectir um pouco sobre o que está a acontecer. Então, o rec é como um espelho da nossa sociedade, a gente capta vários momentos; uns não são tão bonitos como os outros, mas a nossa sociedade é composta por isso. O rec serve para reflectir sobre o nosso país, sobre as coisas que acontecem no dia-a-dia, e a ideia de não se pôr um comentário, não pôr ninguém a falar, é mesmo para isso: as imagens falam por si.

Ainda sobre a vossa página no facebook. Na descrição consta que vocês estão empenhados no desenvolvimento da cultura e das artes em Angola. Vocês sentem que as vossas actividades têm contribuído para este fim?

Nós sentimos que sim, mas também temos noção de que há muito ainda para ser feito e que não somos os únicos. A Geração tem essa vertente de estar presente na cultura e nas artes, mas, ao mesmo tempo, não deixa de ser uma empresa, e, para conseguirmos realizar alguns projectos, temos que explorar também o lado comercial, que é um lado que, às vezes, as pessoas gostam menos. Entretanto, temos que fazer publicidade, temos que fazer vídeos mais institucionais, etc.; é o que torna possível a gente conseguir fazer projectos mais artísticos, projectos mais culturais, e, na verdade, é porque também não existe no país um sistema que ajuda muito, que incentiva muito isso. O nosso Ministério da Cultura é um órgão pouco presente, e, pelo menos, no mundo do áudio visual, a gente pode falar isso com alguma propriedade. Já houve anos que, realmente, havia mais dedicação, mais empenho dentro do áudio visual e do cinema, mas, hoje em dia, é muito pouco presente. Então, os projectos nascem, porque as pessoas têm que se dedicar e colaborar umas com outras.

Neste momento, nós queremos continuar a fazer filmes, documentários, ficção, queremos fazer muito mais e achamos que esse é o único caminho, fazer com outras pessoas. Não queremos só ser a Geração 80 a fazer trabalhos sozinhos, queremos partilhar os trabalhos com outros artistas, outras associações, outras produtoras. Por isso é que, no ano passado, e sempre que podemos, colaborámos com outros artistas que não têm a ver com a Geração, que nos ajudam a dialogar, a fortalecer esses laços da cultura em Angola.

No ano 2016 dos artistas.

O ano passado trabalhamos com o Nástio Mosquito, foi a primeira vez que a gente fez um projecto com ele e foi muito gratificante. E, ao mesmo tempo que trabalhávamos com o Nástio, houve uma colaboração com a Companhia de Dança Contemporânea de Angola. É uma relação que a gente já tem há alguns anos. Há alguns anos fizemos vídeos para a Companhia e para as suas peças e, no ano passado, quando chegou o momento de fazer os vídeos para o Nástio, também surgiu a ideia de que, para fazer esses vídeos, precisaríamos de um bailarino e fizemos esta ligação com a Companhia de dança. E trabalhamos com dois mundos totalmente diferentes: um que é o do Nástio e outro que é o da Companhia de Dança Contemporânea; e saiu daí uma boa química. A gente também tem trabalhado com o Ted-X Luanda que acontece anualmente, estamos desde a primeira edição a gravar e apoiar a nível da produção áudio visual. Já fizemos trabalhos para a Aline Frazão, o Jack Nkanga, o Toty Sa’Med e para outros artistas. A nível da música e da dança temos feito muitas parcerias.

Como Geração 80, dentro da vossa área de actuação, o que vocês gostariam que melhorasse?

Dentro da nossa área de trabalho, gostaríamos que houvesse um plano mais estruturado e mais rigoroso quando se falasse de cinema. Que, realmente, se comesse a pensar em finalizar todo esse processo que é a lei do Mecenato, que vai permitir que empresas apoiem projectos culturais, porque vão ter alguns incentivos fiscais. E dentro da nossa área, a lei do cinema que iria nos proteger a nível profissional. Um Ministério que esteja mais presente, que diversifique a sua aposta em termos do que investir e como investir e não fazer só por fazer. Pensar um pouco, por exemplo, para quê fazer um festival interacional de cinema se não existe quase produtora nenhuma que consiga produzir um filme do princípio ao fim?! Se calhar é melhor investir na formação do cinema em vez de se fazer um festival. Existem poucas pessoas a fazerem um filme do princípio ao fim em Angola; temos o Mawete Paciência que é um grande exemplo, mas não faz sentido começar pelo fim e, às vezes, aqui, não só na área da cultura, temos sempre a ideia e a pressa de querer começar pelo fim e não começar pelas bases, e é isso que falta. Falta um pouco de estrutura de pensamento de como erguer este edifício que pode ser a cultura do país.

Em relação ao cinema nacional, vocês sentem que há falta em termos de formação?

Há! E isso não tem a ver com ter licenciaturas. Cinema não se faz apenas com pessoas licenciadas, mas tem a ver com experiência de trabalho. Nós produzirmos um filme por ano é muito (e pode ser para documentário ou ficção), ou seja, números muitos distantes de países que já têm uma indústria cinematográfica. Nós não temos uma indústria, porque as pessoas não estão a fazer filmes e porque não há pessoas que sabem fazer filmes, e também porque não existe estruturas para fazer filmes, portanto investir na formação é muito importante para nós e essa é uma das apostas que nós, Geração 80, queremos fazer a nível interno. Mesmo a nível interno, temos muitas pessoas que foram aprendendo ao longo dos anos, mas também precisam repensar aquilo que aprenderam e aprender coisas novas. Nós, a nível interno, não queremos cometer os mesmos erros e, por isso, temos investido na formação das pessoas.

Além do documentário Independência, vocês têm outros projectos semelhantes, ou projectos que possam trazer narrativas com grandes figuras históricas da nossa cultura?

Existem muitas ideias para novos projectos que passam também por outras personagens históricas, ou seja, o trabalho não terminou pelo documentário Independência. Ou seja, vai continuar, não sabemos se vai ser logo o próximo projecto, provavelmente vamos ter que respirar um bocado depois de seis anos, pois, nesse tempo fizemos outros trabalhos; houve o filme da Rainha Ginga, houve um documentário da Deolinda Rodrigues, mas, de certeza, que vai haver espaço para mais filmes da Rainha Ginga, Agostinho Neto, Holden Roberto, Savimbe… filmes sobre as outras personagens históricas da nossa cultura.

Quais são os projectos e actividades que vocês têm programados para este ano?

Temos já para estrear o filme “O outro lado do Mundo”, depois disso, temos também um filme já em pós – produção que se chama “O último país”. Este é da Gretel Marin, uma das realizadoras daqui da Geração 80. Ela é cubana e o documentário tem um lado muito pessoal que fala dessa relação dela com o país, e as mudanças que ela própria tem sofrido ao longo dos últimos anos. Estes são os que temos já agendados para cinema e documentários.

Depois, a nossa ideia é continuar a fazer alguns vídeos clips neste ano; foi muito gratificante a experiência do ano passado, mas gostaríamos de fazer vídeos no mundo do Rock, Rap e Semba e, além disso, vamos tentar nos candidatar a alguns fundos fora, para conseguirmos dar os primeiros passos para conseguirmos fazer a nossa primeira longa de ficção.

É difícil conseguir fundos a nível do país?

Não são difíceis de conseguir. Simplesmente, não acontecem sempre, não é uma coisa regular. Não sabemos que dinheiro específico existe indicado para o cinema. Houve há alguns anos um fundo que supostamente era CRECIMA que era dedicado ao cinema, mas não sei como é que isso seguiu, portanto não temos alguma regularidade, algum plano de, anualmente, termos fundos dedicados à nossa área, não podemos planificar, então tentamos planificar com fundos de países lá fora que já estão a apoiar e apostar um pouco mais no cinema.