A linguagem do poema é erguida falo nas “Assimétricas Ingombotas da Lua”

É Kaz Mufuma, que, apartir do “cá, zenga a lunática pátria!”(pág. 28), me concede a honra de, publicamente, apresentar seu livro de estreia, ASSIMÉTRICAS INGOMBOTAS DA LUA. Tamanha honra para um mero aprendiz nos caminhos da literatura.

De onde vem a voz poética que habita o Mufuma? Essa voz que nos convida a andar no “sagrado espaço do luar” (pág. 39)? Inequivocamente, a voz identifica-se com o seu lugar:

tenho o barro no pé

cazenga chora´ndando

meu lugar é um gemido

voz cega de dum pássaro queimado

descalçado na zunga do tempo…” (pág. 28)

Cronista de mão cheia, Mufuma, Ilustrador e Designer Gráfico, soltando a voz  berra do alto da “cidade de pecados”, cavalgando nas “fendas húmidas” (pág. 45)

eu sou gotas

falantes

caídas dos olhos nus da rua…” (Ler o poema na íntegra, pág. 44)

De modo a sentirmos um pouco mais da intensidade dessa voz do Cazenga, ater-me-ei em três pontos temáticos, que exalam o falo erguido do poeta-cronista, a saber: (i) o falo erguido contra as assimetrias sociais; (ii) o falo da cultura e da tradição; (iii) o falo nas fendas húmidas da lua.

O falo aqui, mais do que somente o orgão genital masculino em si, trago-o na sua perspectiva mais simbólica, representando o desejo, o poder, a força e a coragem. Revestido desse poder de usar o verbo, a coragem em denunciar, em contestar, Kaz Mufuma “decidiu multiplicar o talento que o espírito semeou nele e vomitar, de uma vez por todas, a sua poésis…” (Isis Hembe, pág. 9) 

O falo erguido contra as assimetrias sociais

O poeta que hora se estreia de tal modo incomum, no seu exercício poético, vem com “garra” despejar o fogo do verbo que consome, que inquieta, que revolta, que conforta, que sonha, que grita

“no beco do tempo

O silêncio tem nome grande

E o gemido das horas

Nesse assimétrico lugar da lua

Cala as ingombotas na boca da rua

E mendiga a hora gasta a culpa

Gritando à berma da luz do dia

Tem poesia sem nome

A girar os becos da vida

Enquanto as sílabas dançam”

Nessa dicção poética, a voz que habita Mufuma, “poeta situado na angústia do nosso tempo, traz nesta obra um discurso… contestatório, um grito orgânico, onde a realidade sociopolítica é apresentada de forma efusiva” (Fernando Dhyakafunda, pág. 62).

Ao deter-me na página 31, elevo-me no cume das Ingombotas, esse bairro que vem desde o tempo colonial, que foi sempre espaço das elites crioulas e nativas. Hoje, um dos distritos da zona urbana de Luanda, foi lugar de eleição, de distinção, de auto-afirmação, sendo antes local onde os escravos se refugiavam. Logo um lugar de refúgio. Em mais de treze vezes que a voz poética de Mufuma traz as suas ingombotas, ora gagas, ora repletas de beijos da lua, será então a metáfora do “inverno silêncio luandense”? Sei apenas que será a criação incomum desse poeta habituado ás leituras do cronista Arnaldo Santos, das Ingombotas. Desse ponto, “no colo dos olhos”, vejo “duas luas semi iluminadas/ e um rio entre as pernas do tempo/ choram a pátria preta…” .  Enxergo ainda “no asfalto de mentiras feitas de piin/ e mortes do cofre comum”.

Sendo que para Kaz Mufuma e a voz que ele inventa “a poesia é um rítimo urbano/ popular saída dos homens” (págs. 30 e 55), ele apropria-se dessa linguagem para narrar, cronicar, denunciar, de modo estético, as assimetrias da pátria assassina.

aqui risos parem choros

E dos poros avenidas acendem

Cidades altas de roubos” (pág. 31)

Sendo poesia alérgica, com “ritmo iletrado e métrica morta” vem “nítida mente nua”. “Minha poesia é uma zungueira alcoólica” (pág. 27). É Dhyakafunda quem nos revela porém a beleza desses versos artísticos ao lermos o posfácio nas páginas 66 e 67. Contundentes versos que costuram o tempo (Ler poema da página 42). Versos que se solidarizam com o drama social da mulher “todas as kyandas tesas” “kyandas kitandeiras”(pág. 46) .

O falo da cultura e da tradição              

Aqui, a voz do poeta valoriza, promove, destaca, nomes das ricas culturas da pátria. “escaldante doçura/ memórias com nomes de vida” (pág. 29)

A tradição da pemba evocada pela voz do poeta é o seu “feitiço de palavra”, por isso essa poesia, essas “poesias dançam” (pág. 25).

O falo nas fendas húmidas da lua

Aqui a voz poética de Kaz Mufuma exacerba o poder do falo. Diz a voz de modo supremo “cavalgo fendas húmidas”.

E vi ajo no tempo dos teus lábios”

Teus pequenos

Grandes lábios acendem o quarto

Minguantes da lua acesa

Quando ingombotas repletas dos teus beijos

Festejam entre lençois da noite.”

Isis Hembe elucida-nos dizendo que “esse erotismo lúdico que se pode constatar por toda a obra, onde a sensualidade e a sexualidade escapam das mãos dos especuladores da moralidade e se tornam aquilo que sempre forma: agentes da vida… da vida criativa, da vida da linguagem…”

Entre o sagrado e o profano do erotismo, está a nossa liberdade de ser e estar no mundo. E Kaz, ou seja, o seu fantasma criativo, é intenso no amor (Ler pág. 49).

Em jeito de conclusão, devo dizer que cada poeta é um mundo de sonhos, de desejos, de clamores, de lutas. Cada poeta, socorrendo-se dos artifícios que trazem o belo no texto, deve deixar fluir a sua alma livremente. E aqui, para mim, Kaz Mufuma consegue muito bem elevar-se aos píncaros da beleza textual em muitos dos textos com figuras de linguagens bem colocadas. Sendo que, mais do que o corpo e a alma, na poesia, senti vivamente a voz lírica desse jovem vibrante do nosso tempo.

Ó gente que amais a poesia, retenham esse nome, Kaz Mufuma. Boa leitura