A mania da importação que estamos com ela

Estava eu no décimo nono andar da torre Kilamba a apreciar o pôr-do-sol quando recebi uma mensagem do historiador e ensaísta Ngola Trindade. O teor da missiva:  

A TPA agora retransmite o Mar de Letras. A convidada de hoje é a Inocência Mata. O programa começou neste momento.

Primeiramente, fiquei estatelado de admiração, porquanto não é habitual programas como aquele passarem na T.PA, pese embora, faz tempo, algumas entrevistas do mesmo já tinham sido (re)transmitidas pela nossa televisão pública. 

Depois, veiome o bicho da indagação. Questioneime se era uma cortesia da RTP ou se a T.P.A. passaria a pagar pela emissão do programa das terras que viu o meu amigo Almeida Garrett nascer.

Então, a minha séptica resposta ao historiador Ngola Trindade:

Boa! Mas, a não ser uma cortesia da RTP, é uma vergonha pagar para o que se poderia criar!

O historiador Ngola e outros entes – queridos e não queridos – poderão pensar que eu sou um pessimista sem solução! Mas, uma verdade aprendi com o eterno ateu José Saramago:

Os únicos que podem mudar o mundo são os pessimistas, porque os conformados já se contentam com o que há nele.

A ser mais um programa (re)importado, o país continua na rota de menos produção e mais importação, o que é mau, pois o executivo e as instituições nacionais podem também dar mais oportunidade aos nossos agricultores, engenheiros, artistas e outros profissionais ou amantes do savoire-faire para criarmos o nosso Mar de Letras ou para produzirmos o nosso arroz, o nosso pão, a nossa fuba, enfim, o que precisamos. Que tal dar uma oportunidade à jovem comunicóloga e escritora Cíntia Gonçalves ou ao David Gaspar, jovem jornalista cultural com alguma tarimba ou mesmo ao experiente crítico da arte Adriano Mixinge, que, me parece, daria num bom Ministro da Cultura que quase anda sem cultura?  

Ressaltase que é por essa nossa mania de importação que temos tido poucas escolhas e o nosso continente, em geral, tem sido considerado «o parente pobre da humanidade», tendo em conta que quase nem uma agulha, fósforo ou dentifrício temos produzido.  

Definitivamente, sem desprimor pelo que é do outro, é vergonhoso ver que temos mendigado dólar, pedimos sempre emprestado e, tirando a matériaprima, quase nada temos para dar aos outros. Parecemos uma mulher que, com a excepção do sexo, nada mais tem a oferecer ao esposo.  

Muitos dos nossos políticos, governantes, importam mulheres e o país, para o cúmulo da inépcia, ainda importa água mineral, arroz, açúcar, seringas, luvas, comprimidos, pomadas, soro, sabonete, sabão, detergente em pó, cadernos, livros e roupas, ou seja, importase quase tudo e mais alguma coisa.  

Saímos mal na fotografia mais uma vez! E como o capitalista que escreveu que o nosso trabalho é trabalhar disse certa vez:

na vida, não há almoços gratuitos.  

Qual terá sido o acordo entre a RTP e a nossa TPA?

Ora, diz o nosso povo pacífico:

Só Jesus na causa!