A mulher e a desconstrução da noção antiquada de decência

A voz da Mulher, quando se faz ouvida, é uma das maiores armas pela destituição de conceitos bem estabelecidos. De todo modo, suas mensagens são capazes de levar a ferrenhas discussões sobre diversos assuntos, o que, nalguns casos, reflecte a sua influência e, pode-se também dizer, a sua importância. É assim que tem procurado, em muitas das suas intervenções, cada vez mais ousadas, desconstruir conceitos que, cada vez menos, se adaptam aos tempos recentes. E um dos conceitos que tem sido combustível para fervorosas discussões é a decência.

DECENTE, do dicionário, é algo que fica bem, que é apropriado, conveniente, decoroso e – o sinónimo mais interessante de todos, para este artigo – bem-comportado. Tal conceito, entretanto, tem vindo a sofrer outras várias leituras, em consequência das mutações, naturais e forçadas, da própria sociedade. Algo que já foi considerado muito longe do decente, obsceno portanto, hoje pode ser visto com menos olhares de reprovação. Aliás, o próprio conceito de obsceno tem perdido rumo na mesma senda.

Desde os tempos seculares, a decência sempre foi posta em causa, como um dos principais requisitos para que a Mulher fosse bem sucedida no casamento, na vida familiar, na sociedade. Tal decência, desenhada sob as bases de uma sociedade purista, machista, obrigou a mulher a encafuar-se sob toneladas de vestimentas, apenas para que não ferisse os olhos da sociedade; obrigou a Mulher a trancafiar-se entre as paredes da casa, sob rédeas das obrigações domésticas, renunciando as vontades que se encontravam da porta afora; e, tão ou mais importante que o supracitado, obrigou (e em muitos casos ainda obriga) a Mulher a encafuar-se em si mesma, para não descobrir os prazeres do Sexo.

O sexo, assim como a bebida, sempre foi atribuída aos prazeres do universo masculino. Um homem que fazia uso contínuo do álcool e gostava de sexo até beirar a perversão estaria somente a cumprir os seus desígnios naturais. Pelo contrário, uma mulher que consumia álcool, bem como a que se entregava aos prazeres do sexo, em busca de satisfação, era logo estampada na vitrine a sua suposta desvirtuação. Parece que os sinónimos da decência obrigavam as mulheres a não ter prazer. O sexo, para o universo feminino, era apenas para procriar, e a bebida, para molhar o bico (isso ainda prevalece em algumas camadas da sociedade).

No entanto, com base nas mutações da sociedade, sendo uma delas, e cada vez mais sonante, a própria emancipação da Mulher, a decência, feito uma cebola, tem perdido várias camadas e tem sido empurrada a uma classe de substantivos na qual não se vê rebaixada a Mulher, nem tampouco permite que as suas aspirações, apetências e vontades sejam menosprezadas em detrimento de conceitos/pensamentos obsoletos. É imperioso que isso continue e que a própria Mulher, imbuída de inspiração e força de vontade de mudança, consiga, cada vez mais, através dos meios que lhe for mais conveniente ou estiverem ao seu dispor, fazer-se ouvir e exigir ao mundo a aceitação da sua supremacia, afastando ou reestruturando todo e qualquer conceito que a desvalorize.