A narrativa dos vilões

Toda a história que se preza precisa de um bom vilão, e este deve estar à altura da grandiosidade que a referida história venha a representar. Eu particularmente sou um amante de vilões. Para mim, as melhores histórias, quer sejam em imagens ou em letras, ou dos dois modos, são as que me apresentam um vilão de fazer arrancar os cabelos.

Lex Luthor, Adolf Hitler, Professor Moriarty, Osama Bin Laden, Hannibal Lecter, Lorde Voldemort, Josef Stalin, Darh Vader, Benito Mussolini, Freddy Krueger, Saddam Hussein, Augusto Pinochet, Patrick Bateman, Pennywise, Gollum, Herodes, Magneto, Átila, Kilmonger, Drácula, Calígula, Coringa, Nero, Thanos, Ozymandias, Agente Smith, o exterminador T-1000, entre outros, são alguns dos muitos vilões magnificentes e imponentes que a história já se dignou em registar, cujos nomes, só de ouvir, deixam qualquer um com os pelos em pé, quer sejam do mundo real, da ficção ou de ambos. Há casos, com uma coisa levando a outra, em que personagens reais acabam transformados em verdadeiros vilões, mais célebres até que os da ficção. Como isso acontece? Com uma boa narrativa.

Facto: ninguém nasce vilão, uns fazem-se, outros são feitos. Em qualquer das situações, o que há em comum é a elaboração da narrativa. Os maiores vilões que o mundo já conheceu foram criados através de narrativas espectaculares, antes, durante, ou depois das suas ascensões ao pódio vilanesco. Ao olharmos de perto para os grandes vilões, particularmente os mundialmente conhecidos, verificamos que todos transportam em si grandes histórias que, de algum modo, oferecem mais impacto à vida das pessoas, do mundo ou do universo que as suas contrapartes, os heróis. A maior parte dessas histórias envolve a busca implacável por poder, sede de dinheiro, derramamento de sangue, tudo isso junto ou em separado.
Mais um facto interessante sobre a vilania é que depende muito da perspectiva com que é vista e da época em que os actos são registados contra a época em que são narrados. Do mesmo modo que alguém pode ser visto por certo tempo como um herói, mais tarde pode ser visto, pelos mesmos actos, como um vilão ou vice-versa; José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi são duas faces que representam de modo verosímil essa dualidade.

Numa época em que se fala com grande liberdade sobre a ascensão das mulheres em lugares cimeiros, ocupados desde os primórdios da humanidade maioritariamente por homens, pouco nos faz esquecer algumas vilãs que fizeram história ou nela se escreveram. Cruella De Vil, Rainha Ranavalona, Cersei Lannister, Belatrix Lestrage, Rainha Maria I, Amanda Waller, Imperatriz Wu, Elizabeth Bathory, Feiticeira Branca, Nazaré Tedesco, Lady Macbeth, Hera Venenosa, Fénix Negra, Maléfica, Circe, etc., da realidade à ficção, foram rainhas, condessas, imperatrizes, pessoas que fugiram do comum, mulheres que criaram histórias impressionantes e fizeram chegar as suas imponências vilanescas até aos confins dos mundos reais e ficcionais.

Cá entre nós, na falta de quem nos reiterasse os prenúncios do verdadeiro poder da vilania, recebemos com graciosidade, finalmente, uma vilã. E não é uma vilã qualquer, é uma que veio para acentuar a sua grandiosidade à nossa história. A nova vilã tem nome e tem rosto conhecido e, mais que isso, tem um poder incomensurável. E se, por um lado, está a ser vista como vilã, por outro, e enquanto prevalecer a ignorância instaurada, impingida e imputada em muitas pessoas ao longo das décadas de sofreguidão, continuará a ser vista como a heroína que, com seus feitos, conseguiu dar sustento e alento a milhares de pessoas, não importando de onde tenham vindo os seus poderes, se de uma explosão cósmica, de um encontro com alienígenas ou de uma galinha cujos ovos eram de ouro. O facto é que toda a narrativa que está a ser construída em volta da dita vilã irá empurrar algumas pessoas para um abismo no qual veremos, nos final das contas, quem de lá poderá sair e, se sair, como a história futura o retratará.

Quem domina a informação domina o poder, quem domina o poder domina o mundo. E por aqui, quem tem, na algibeira, a capacidade de criar narrativas está a usá-la para criar a maior narrativa de todas e fazer com que quem já foi visto como herói seja agora visto e tratado como vilão. E nesta senda, como bónus, vilões de outrora terão as suas histórias reescritas e passarão a ideia de serem heróis, que podem apontar aos alvos que quiserem, usando as mesmas armas daqueles que os antecederam e, inescrupulosamente, outras mais inovadoras. Mas a balança dos danos colaterais, como sempre, continua a cair com valor acrescentado para o lado dos mais desfavorecidos. Que tenham a capacidade de criar uma narrativa firme, sólida como mármore, para que a história não lhes seja injusta. Pois, como muito bem afirmaram Duas Caras e Harvey Dent, “ou você morre como herói ou vive o suficiente para se tornar um vilão”. Quem viver verá!

Luefe Khayari em “O Ano dos Marginais”