A orquestra do maestro João

A batuta doirada que faz a orquestra do Estado angolano continua a produzir melodias que, mais do que agraciar os ouvidos, qual kuduro, apenas promove mais dança com as cadeiras e fornece um som ruidoso para quem há muito procura deliciar-se com melodias que possam ajudar a limpar as feridas que se nos têm instalado na alma, há décadas.

Ao olharmos para a trilha sonora da política angolana, a conclusão é inequívoca: está dissonante. Uns arranjos daqui e outros dacolá, mas, na sua maioria, as notas não combinam, e a harmonia foge-nos a sete pés. No entanto, atendendo as circunstâncias, algumas notas tendem a soar acertadas. O rejuvenescimento da orquestra faz-se cada vez mais necessário e algumas amostras são dadas de que é possível, mas sente-se que falta um pouco de ousadia do Maestro em mandar pastar boi a alguns instrumentistas que pouco ou nada contribuem para melhoria da sinfonia, se é que um dia contribuíram.

Encurtamento, encolhimento, confinamento, todas essas palavras servem de sinónimo para que o Maestro que conduz a sinfonia do país possa justificar as suas melodias e apertar o organismo do Estado para “poupar” kumbu. Inspirado em tais “ajustamentos”, deu-lhe na bóia colocar no comando dum megaministério uma miúda de três décadas de vida. Sim, uma miúda ministra, que mal largou as fraldas, que ainda cheira a leite e faz selfies de t-shirt molhada e sem soutien é um abuso! Um verdadeiro absurdo! Um autêntico disparate! É tanta falta de respeito que apenas resta, a quem esteja a morrer de dor de cotovelo, reclamar aos berros pelos bastidores anti-sociais, porque, no fundo, sabe que a cada dia que passa as suas capacidades e de seus comparsas roçam cada vez mais a impotência, a incredulidade, e em nada contribuem para as notas da melodia que o Maestro está a ver bué de fumo para dominar, mas, segundo uns e outros, está a fazer um esforço tremendo para mudar as notas da orquestra, sendo que, para isso, sejam necessários alguns novos instrumentistas ou, melhor, instrumentistas novos. E se tiverem acabado de sair da creche, que seja! Talvez venham a contribuir mais e melhor na sinfonia que o povo precisa para desbravar algum som que se possa aturar.

Não é de ignorar o esforço que o Maestro João tem executado para agraciar o coliseu angolano com potenciais melodias e, por isso, vai tentando misturar uma e outra nota para que o espectáculo prossiga. Às vezes, colhe um coxito da ousadia embarrada sabe-se lá onde e deixa de quatro o mundo, como quando botou a pasta ministerial da massa com aquela miúda, que, diga-se de passagem, traz na bagagem muito mais que tantos velhos caducos que, mesmo apoiados em bengalas, se acham os únicos que conseguem dar as remadas pelo mar adentro num barco que já há muito funciona a motor.

Seja quais forem as próximas sinfonias preparadas pelo Maestro João, a verdade é que as remodelações são mesmo necessárias, mas o excesso delas e a insignificância da posição e notas de alguns instrumentistas revelam que lhe está difícil e cada vez mais complicado comandar a orquestra e levar a melhor sinfonia a quem anda, por décadas, sedento de prazeres sonantes.

Os diversos instrumentistas aprontam cada vez mais das suas e fazem o Maestro já não saber em quem ao certo confiar. Deve ser por isso que resolveu apertar os instrumentos de seu vice, o número dois do país, e deixá-lo mais sumido da orquestra do que já há muito andava. Mas também, quase nunca lhe foi dado grande coisa para fazer, nem sequer limpar o pó de instrumentos velhos, ou arrumá-los num lugar depois de alguma apresentação.

Os espectáculos da Orquestra do Maestro João têm oferecido nada mais que uma imensa falta de harmonia entre os diversos instrumentistas e o próprio maestro. E os ouvintes cada vez mais reclamam da falta de sonoridade, andam cada vez mais impacientes, porque os pequenos efeitos sonoros têm agraciado apenas uns, enquanto outros, por mais que gritem e apupem, recebem um silêncio tal que até faz eco e obriga-os a continuar a apreciar o espectáculo na esperança de que as notas se acertem e possam fornecer alguma melodia, minimamente credível para quem tem os ouvidos rebentados de tantas notas sem muito sentido, tocadas há anos pelos mesmos instrumentistas ou por instrumentistas distintos, mas com a mesma base, pois são todos formados na mesma academia, a academia musical que traz como folha de rosto: o povo que se lixe!

“2020 – O Ano dos Marginais”