As narrativas de uma peregrinação – Análise à exposição “Peregrinação à Memória”, de António Gonga

A abertura da exposição “Peregrinação à Memória”, de António Gonga, testemunhou a presença de gentes de diversas idades, diferentes gerações, facto que levava a pôr em causa de quantos, lá presente, partilhavam, em jeito de recordação, as narrativas presentes no conjunto de obras. Embora parte da nossa identidade acabe no sentido histórico, alguns mitos, lendas e símbolos da cultura nacional já não constituem parte da memória no sentido colectivo, fazendo com que gerações que beberam da tradição oral pudessem reconhecer elementos dessa memória, e gerações novas, que também estiveram lá presente, ficassem num relativo alheio.

Sabemos, no entanto, que os rumos não são optimistas no sentido de voltarmos a ter tradição oral transmitida com o mesmo fulgor com que se fazia anteriormente, mas é, também, a partir de outras ferramentas e meios que se pode transmitir a identidade, é oportuno que as artes visuais o façam, dado os “jogos das imagens” e as mensagens visuais mais acentudas pelas tecnologias. Assim, António Gonga transformou a sua influência tradicional numa linguagem entre este e o contemporâneo, comunicando os dois.

Cada obra lá presente transborda uma narrativa que logo se nota, mesmo que desconheçamos de qual região, de qual lenda ou de quais símbolos se trata.

Neste trabalho, entre o mito e a tradição oral, a peça “Linguajares”, por exemplo, em outras interpretações, relembra o conto tradicional africano da caveira falante (a caveira é um elemento que está presente na peça). Neste conto, há um homem que cruza com uma caveira que, supostamente, fala. Dada a surpresa, ele vai tentar convencer o rei, mas, sendo este duvidoso, apresenta a penalização ao homem pelo falso linguajar. Confirmado que não, o homem é morto, passando a ideia do uso cauteloso da fala, das palavras: elemento fundamental e amplamemnte presente na tradição oral.

Com “Peregrinação à Memória I e II”, encontra-se todo este processo narrativo-identitário que a exposição carrega, apresentando a celebração, o movimento, a rotina.

Há ainda lugar para uma instalação que “exalta” percurso do campo artístico nacional, das artes visuais à literatura. São recortes de jornais, documentos pessoais e a documentação do processo criativo e intelectual do artista. Chama-se aqui atenção de como tem sido construído a história das artes plásticas angolanas: a catalogação dela será acentuada com meras matérias noticiosas de jornais ou, em introspeções, que podem surgir daí e dos debates e depois partir para formas robustas de arquivação?

Peregrinação à memória de António Gonga

A passagem de testemunho da nossa identidade deve explorar todas as formas, deve constituir uma constante peregrinação. Apesar do meio fazer quase sempre a mensagem  ser compreendida (como expressa McLuhan), a mensagem pode também ser moldada para explorar os meios.


SOBRE A EXPOSIÇÃO

A exposição “Peregrinação à Memória” marca o regresso de António Gonga ao Camões

– Centro Cultural Português, com uma exposição individual, quase vinte anos depois de ter apresentado naquele espaço “Solilóquios da Alma e da Mente”. A exposição vai de 21 de fevereiro a 14 de Março de 2017.