Desporto escolar e capim

Se Camões estivesse vivo e reescrevesse «Os Lusíadas», contemplaria Cristiano Ronaldo na sua epopeia, por Ronaldo ser a maior figura do futebol português e mundial, o orgulho dos tugas, aquele que promove Portugal.

Mas que idade tem esta figura para promover seu país até à dimensão planetária? Em que universidade passou?

É aqui onde reside a questão. Para nós, os angolanos, o erro começa ao pensar que somente o alto nível de escolaridade é capaz de proporcionar emprego, conhecimento e estabilidade aos sujeitos. Não se investe noutras formas de saber por se pensar que só se pode construir e instruir o homem, na sua plenitude, na relação aula-classe. Mas, mesmo que se forme o homem nesta relação, são necessários outros artifícios que complementem o conhecimento livresco, outros saberes que possam contribuir para a transformação da pessoa num agente interventivo na sociedade.  

Hoje, é preciso repensar nas diversas áreas de formação humana, dando espaços para a exploração dos dotes, na escola e fora dela. Diante disto, deviam ser implementadas políticas que vão desde a prática do desporto, a educação musical e visual, pintura, literatura e as outras formas artísticas. Neste sentido, os campos que servem para a prática do desporto são outros espaços de partilha de culturas, construção e estruturação de conhecimentos dos sujeitos enquanto membros de uma comunidade a que podem dar o seu contributo. Assim sendo, é imperioso o incentivo ao desporto escolar, porque isto se traduz também na aquisição de diversas competências e no usufruto do património físico da escola.  

Na verdade, há momentos que precisamos reconhecer a nossa ignorância perante algumas realidades, pois não se percebe o facto de que, em determinada escola básica ou universidade com gente maioritariamente jovem, ninguém consegue lutar contra o capim. As ervas daninhas saem vitoriosas contra todos os intervenientes da mesma, emergem tudo e a todos. O pior é que até aqueles passarinhos chamados nkantchunja e os ratos nkuso, os quais eu caçava na minha infância, hoje, ameaçam entrar nas salas de aula, enquanto os dirigentes escolares, quão homens inertes, leccionam! 

A questão é: existem chefes do património? Não há verba para incentivar a prática desportiva? Por que gozamos com a selecção dos Palancas Negras que, infelizmente, parece-nos das Tartarugas? 

Nos últimos tempos, assiste-se o abandono dos campos, que se transformaram em selva. Noutros lugares, houve a construção de mais salas de aula nos campos desportivos que pertenciam a determinadas escolas. No Uíge, podemos citar, como exemplos, a escola do Campo, no bairro Papelão, a escola Teta Lando, bairro Bem-Vindo, a escola José Eduardo dos Santos, no campo do Picoli, novas salas de aula no campo da Escola de Formação de Professores. Quanto aos campos que se transformaram em selva, temos como exemplo o campo de futebol da Universidade Kimpa Vita. Este último, até há alguns meses, o capim o tinha engolido. Estas são das realidades vividas in loco, desconheço outras.

Consequentemente, vê-se que essa tradição de menosprezo da prática desportiva tem a ver com uma tendência desactualizada, pois o desporto também leva à profissionalização, pode ser o píncaro da actividade dos indivíduos. Infelizmente, nem todos os que o praticam chegam ao auge. Do mesmo modo, se quisermos analisar, veremos que isto acontece nas restantes facetas da vida, pois nem todos que estudam conseguem terminar, como também há quem tenha conseguido um nível académico aceitável, mas é desempregado. Dessa forma, o problema do insucesso do desporto, em Angola, consiste no pouco espaço que se lhe dá.

Destarte, espero não ser achado arrogante neste texto, mas fico sem saber se estamos a evoluir ou a regredir. Estamos no século XXI, entretanto, pelo que sei, na década de 90, nas aldeias e nos centros urbanos, a maioria das escolas tinha algum campo para a prática do desporto, infelizmente, hoje não. As cidades comeram os campos com a construção de mais salas de aula, somente as aldeias conservam os seus espaços para a prática desportiva. Que absurdo! Quanto à importância do desporto escolar, podemos ler o seguinte no Correio do Minho: «Está provado que a prática de qualquer modalidade de formação e/ou orientação desportiva proporciona o desenvolvimento de competências físicas, técnicas e táticas com visíveis benefícios na formação integral dos jovens (https://correiodominho.pt/cronicas/aimportanciadodesportoescolar/2894)».

Em vista disto, é preciso lembrar que o desporto escolar tem como «objectivo […] proporcionar aos jovens actividades de qualidade, em que prevaleça a vertente formativa, sendo a vertente competitiva um dos meios para a formação integral dos jovens, através da sua responsabilização na organização das atividades (quadros competitivos, arbitragem, etc.) e da exigência de um comportamento adequado durante a competição (Basquetebol 3×3, Desporto Escolar, Direção Geral da Educação Portuguesa. – https://correiodominho.pt/cronicas/aimportanciadodesportoescolar/2894)». Simplesmente, o desporto escolar deve ser tido como a extensão da acção formativa efectivada na sala de aula. Por outro lado, o Desporto é estudado até ao doutoramento, isto significa que não somente as ciências tradicionais (Filosofia, Psicologia, Pedagogia, Matemática, Química, Física, Antropologia, sociologia, etc, etc.) devem ser tidas como as inalteráveis áreas da formação humana – é um autêntico erro, pois a sociedade actual exige muito mais que isto. Além disso, o MINJUD, em Angola, sabe quais os benefícios que advém da prática do desporto na escola, por isso menciona que «O desporto escolar é histórico, a criança deve ser formada em todas as suas componentes, e o desporto faz parte dessa formação. Queremos ter homens sãos e preparados para a sociedade, […] – ANGOLA: Governo pretende dinamizar desporto escolar em 2018, Sapo desporto, 29/10/2017 (https://desporto.sapo.pt/futebol/angolafutebol/artigos/angolagovernopretendedinamizardesportoescolarem2018) ». É pena que não incentiva a sua prática. São apenas palavras bonitas. É mais uma algazarra. O que se vê na prática? Como se pratica o desporto escolar sem espaços para o efeito?

Contudo, com vista a formação multifacetada dos nossos cidadãos, esperamos que as palavras do Presidente da República, como noticiado pelo jornal Sapo Desporto, se cumpram, «Neste mandato, vamos incentivar o desporto escolar, regressar aos campeonatos escolares e aos campeonatos universitários, exigir aos dirigentes das infraestruturas desportivas maior responsabilidade na sua conservação e gestão (https://desporto.sapo.pt/futebol/angolafutebol/artigos/presidentedeangolapriorizadesportoescolaregestaodeinfraestruturas)». Embora, nalgumas localidades, não existam infraestruturas para tal, mas é o milagre que aguardamos!