Incivilidade pomposa

A nossa sociedade precisa de ser reeducada; reaprender a comportar-se, a respeitar determinados eventos, acontecimentos, actuações, manifestações culturais, etc.

É alarmante começar com esse discurso quando o mesmo podia estar escondido lá no meio, bem antes de fazer um elogio aos progressos que se tem visto, às melhores condições de espaços e ao acréscimo de eventos importantes que têm sido presenciados. Mas a verdade é que ele não teria o impacto que espero que tenha, não seria marcado como relevante, pois perder-nos-íamos na ilusão de sermos bem-educados e batalhadores por termos conquistado a posição em que nos encontramos hoje. A verdade é que não interessa ser fino, bem posicionado, ter um bom carro e se dizer apreciador de arte, se estando no carro, a comer uma banana, por exemplo, abre-se a janela para deitar o lixo no chão; se quando nos fazem o bem, não nos voltamos para agradecer. Nada disso interessa enquanto estivermos sufocados pelo manto do próprio ego.

A Arte não é assim. A arte abre caminhos que a vida real desconhece, sai do comum, desvenda espaços e sentimentos em nós que não sabíamos existir. Nela existe a necessidade de transmitir o que se pensa ser relevante e transformador, enriquecendo as mentes, corações e almas adormecidas pelas regras estabelecidas por uma sociedade reprimida e inexpressiva.

Ao apresentar uma obra, o artista sempre tem como objetivo estimular o interesse consciente dos espectadores, sabendo que aquele será um momento único e diferente do da próxima vez que ela for apresentada, com o desejo forte de conectar, comunicar. Mas, infelizmente, não é isso que tenho presenciado.

Na palestra ‘Corpo e Tecnologia’ realizada em outubro de 2015 no Rio de janeiro, a pesquisadora Helena Katz disse que “estamos hoje nos tornando em adultos mimados, sem nenhum pai ou mãe para colocar de castigo” e isso acontece porque estamos cada vez mais acostumados a que tudo nos atenda do jeito que queremos e na hora que queremos, transformando o mundo naquilo que bem entendemos, sem respeitar e prestar atenção à necessidade do outro e àquilo que ele nos apresenta.

Pode ser que para você, caro leitor, eu esteja apenas a divagar. Mas vou tentar dar aqui um exemplo bastante prático: num sábado da vida eu dancei num casamento com o meu parceiro Renato Chaves – preciso dizer que tudo foi uma surpresa para os noivos. A pista de dança estava vazia, porque o salão não tinha sido aberto ainda, as pessoas estavam sentadas e havia muito espaço para se evitar passar pelo meio da pista – e desde aquele dia eu me pergunto “qual era a necessidade que mais de cinco pessoas tinham de passar pelo meio do salão enquanto a dança decorria, correndo o risco de arruinar a performance?” Não foi a primeira vez que aconteceu comigo e, com certeza, não será a última.

No mês passado dei um pontapé, não intencional, a uma convidada que cruzou a pista enquanto os noivos abriam o salão e nós fazíamos de corpo de baile. Qual foi o resultado? A jovem deixou cair a taça que tinha na mão, partiu-se, e os noivos foram obrigados a interromper um dos melhores momentos da festa devido ao perigo que lhes foi apresentado. Para além destes, há aqueles finérrimos que vão assistir a um show acústico de um(a) cantor(a)  ou a um show de spoken word, por exemplo, e ficam tão “maravilhados” que nem se dão ao trabalho de bater palmas, ou pior, nem olham para eles, ao invés disso acompanham as conversas nos grupos do whatsapp, sim! Porque esta é a postura certa a apresentar, é o mais “adequado”. Não!

Não nos deixemos levar por vaidades, melhor, não sejamos mimados, sujeitos a olhar apenas para o próprio umbigo. Como disse, o artista deseja comunicar, conectar, e para chegar ao resultado do trabalho que apresenta não é fácil, nunca é. Ser cantor, bailarino, poeta, escritor, pintor, exige muito de nós, tanto de técnica como de humanismo. Para quem se dedica à arte, como eu, não se trata de mais um hobby, não é mais uma brincadeira para passar o tempo. O meu desejo é e sempre será crescer com a minha arte, crescer como ser humano. Esta mesma arte tem transformado muita gente todos os dias para o melhor, continuando a questionar, conectar e comunicar com o mundo. É por esta e muitas outras razões que posso falar por todos: merecemos respeito; o mesmo respeito dado a outros profissionais. Apenas nos cedendo a vossa atenção, poderão ver e sentir algo diferente, talvez encantador e, se assim não for, provavelmente aprenderão algo sobre vocês mesmos.

Assim, se você for assistir uma actuação, um espetáculo, se for para um casamento ou exposição, não deixe que a sua vida virtual interfira na sua vida real, deligue-se; ao ver os bailarinos no meio do salão, deixe que, a sua ansiedade para falar com a amiguinha da outra mesa, cesse. Tenha paciência e respeite o momento. Aquela casquinha de banana que ficou na mão, guarde no seu carro, na bolsa, num saquinho, e coloque no lixo quando chegar a casa.

Ser bem-educado envolve tudo o que nos cerca, a forma que nos posicionamos, como respondemos, o que ouvimos, como e o que vivemos; abrange os detalhes, os detalhes que parecem inexistentes; é ouvir através de um toque, falar com um olhar, estar consciente do ambiente em que nos encontramos e obedecer a ele na proporção certa; é ser cortês, paciente, asseado e gentil. Já dizia o rei do pop, Michael Jackson: “Se quer fazer do mundo um lugar melhor, olhe para si e faça uma mudança”. Eu acredito que a arte pode ser a ponte para que essa mudança aconteça. Saia da caixinha, abra a sua mente, o seu coração, reeduque-se. A evolução disso depende.