Moralista sem moral

Não há nada que mais me aflige do que a moral dos imorais. O estado impõe moral, mas é feito de homens cuja moral vale menos que espermas perdidos numa masturbação. Aliás, quando o motivo é a estética de uma mulher personificada, não há desperdício. É merecido. É homenagem.

 Um dia pediram-me que escrevesse uma crónica contra as atitudes da Genilma Campos. Disse ao homem: tenho uma absurda paixão pela Jéssica Pitbull. Posso ter três horas de ereção pensando em milhares de mulher e, todos os dias, vou à cronologia da Genilma ver se há uma nova nudez. O resto é poesia e masturbação. A minha estética de vida repudia a moral imposta. Mas duas coisas aborrecem-me verdadeiramente: a imoralidade dos moralistas e os jogos da equipa de futebol do Petro de Luanda contra o Primeiro d’Agosto  

As letras e a contestação sempre caminharam de braços dados. Estávamos na casa das letras. Ela vinha de um Toyota Fortuner, eu vinho bebia, mas tudo acontecia dentro da minha noção de lucidez. Ela, depois de ter ido almoçar, no intervalo do evento, estacionou o carro como já o fizera noutras ocasiões, descia no sexto copo, fechava a porta e caminhava para o sala onde um conjunto de utopistas a aguardava para continuarem com o debate. Eu bebia-a caminhando. Uma mulher finíssima, cheia de vida, mas que mal vivia apesar da endinheirada vida: carros, apartamentos, presidente de uma associação que luta pelos direitos humanos, amigos importantes etc..

Se reler as últimas linhas, referi-me aos carros, aos cargos e às amizades. Isso explica-se facilmente. Ninguém é infeliz quando tem uma família construída com sangue e amor. O amor é fundamental. Ainda reina. Deixo o marido e os filhos no etecetera, porque não sei se os tem. Uma mulher assim não deve ter marido e filhos, porque, quando se revela, consegue ser a expressão terráquea do inferno, aquele lugar de solidão, aperto, angústia gritantes; mas longe do surrealismo dantesco com fogos e seres triviais. Coitadinho deles se, eventualmente, existirem. Mas ninguém a pode acusar de falta de amor, porque ela demonstrou com intensidade, apego e paixão pela coisa. Um amor que não se abala até mesmo diante da morte.

Eles debatiam sobre direitos humanos com convicção. Falavam sobre as constantes violações dos direitos humanos nas cadeias. Falavam sobre a violência policial. Não a prisões ilegais! Não. Não a ilegalidade! Não. Não a prisões sem mandato! Não. Somos a favor da vida! Somos. Depois voltava o silêncio intelectual. Alguns engasgavam-se porque, em casa, plantavam o terror aos companheiros / às companheiras com violência física e verbal. Ela estava naquele círculo de utopistas que defendem os direitos humanos. Dir-se-ia: ela estava naquele círculo de utopistas que denunciam crimes que atentam a dignidade da pessoa humana. Não defendem, denunciam, tornando públicos tais crimes. Mas depois das denúncias, almoçam e jantam com os infractores que corporizam o estado.

Estado: Porras, garina! Exageraste nas denúncias, meus.

Direitos humanos: é o meu trabalho. Recebo dinheiro do exterior para esse efeito!

Moral: Não tinha de ser missão?!

Estado e Direitos humanos: rsrsrsrsrsrrsrsrsrsrsrrsrsrsrsr. Continua atrasada. Adapta-se ao novo mundo!

Terminaram o evento. A senhora chegou perto do carro e o que via enchia-a de fúria. Não via seu amargo rosto refletido nos retrovisores. Uma nuvem de mosquito saía de dentro do carro. Onde é que já se viu?! Os mosquitos atentam à dignidade da pessoa humana. A sua presença é uma violação sistemática dos direitos humanos. Viu que o carro fora vandalizado. Olhou para trás e escolheu o culpado. O culpado estava espantado. Tinha um rosto de inocente. Viu o carro preto a chegar, a seguir ao da senhora. Como havia muitos carros neste dia, não se preocupou. Desceram dois homens do carro preto. Dois homens desceram do carro e começaram o silencioso furto.

Direitos humanos: O culpado desta merda és tu!

Pobre Guarda: Mas como é possível se em momento algum eu não saí?! E por que só o teu carro e não outro?

Direitos humanos: Tu conhecerás a mão pesada da justiça, só meu cão de merda. Idiota, imbecil.

Chegou o comandante-amigo. Um dos maiores violadores dos direitos humanos. Chegou o comandante-amigo de carro próprio, acompanhado de mais dois brutamontes policiais. Disse aos outros guardas que levavam o coitado para uma conversa e que depois voltariam. Mas o coitado voltou encaixado. Antes, a senhora chamara o reboque. Levaram o carro amputado. Os polícias levaram o homem e não fotografaram o carro vandalizado. Na casa dos horrores, começou o interrogatório. 1975 Porretes e nenhuma pergunta. 43 Catanas quentes e nenhuma pergunta. 11 Cabeçadas e nenhuma pergunta. 15 e mais 2 cabeçadas e nenhuma pergunta. Toda a violenta matemática da pátria a dividir em pedaços um coitado cuja vida já lhe era madrasta.

A senhora foi de viagem. Disseram os polícias. Não podiam retirar a queixa. O chefe decidiu esperar numa Angola que nos acontece urgente. Os guardas ligaram para o chefe. O chefe entende de leis. É idealista. Segue princípios num país que se diz ser outro. Mas os polícias levaram o coitado sem fotografar a viatura vandalizada, sem mandato. Os polícias disseram que cumprem Ordens superiores. Mas quem é esse Ordem Superior que transpõe legislações e mandatos num país que é outro, senhor Comissário? E também não ficaram bem na fotografia os homens que misturam zangas com lúgubres momentos.

A senhora regressou para o país três dias depois. Está na casa das letras. Veio saber se já havia dinheiro para repararem o seu carro. Acabaram de lhe informar que o culpado desenhado pelos seus dedos acabara de falecer de pancadas na prisão.

Direitos humanos: eu não tenho nada a ver com isso! Seus idiotas. Isto é com a polícia…

Subiu no carro e partiu. Também partiu o malogrado. Depois do golpe fatal, o espectro olhava para o corpo admirando a violência dos polícias. Saiu daí e, em sonhos, foi avisar aos seus familiares. Beijou os cinco filhos, beijou a mulher pela última vez e foi avisar ao comandante-amigo para telefonar para a família, partindo, de seguida, para algum lugar, noutra dimensão.

Estado: Minha senhora, o teu marido batia bem?

Povo: Sim!

Estado: Não nos parecia. Teve um surto psicótico, convulsionou e morreu.

Consigo ver os seus filho arrastando a pesada carga da vida. Com sorte, um ou outro safa-se. Olha para um deles, revoltado, procurando conforto em espaços inadequados, espaços onde a vida é morte. E chegará a senhora dos direitos humanos exigindo por melhores condições nos presídios onde se encontram algumas vidas provindas daquele pai que pode ser qualquer um. E a sociedade cala-se ou acusa, mas não…