O passado.
Ndaka Yo Wiñi teve uma infância duramente marcada pelos traumas da guerra. Entre a migração forçada, as intempéries para conseguir um espaço onde morar na capital de Angola, despertou desde cedo uma certa habilidade de gerir a dor e amor. O amor foi-lhe introduzido a partir do leite materno, pois ele é filho de uma mulher comparável a um imbondeiro com as raízes fortes na sua cultura que lhe garantiam a robustez suficiente para gerar a múcua mais nutritiva – o seu filho –, a despeitos das circunstâncias adversas que passava. O menino herdou o amor da mãe e dedicou-o esplendorosamente à sua arte.
Antes de se encontrar, perambulou a esmo na busca de sua identidade, tendo cruzado com o rap. Seu espírito não se quietou, e como se precisasse cumprir obrigatoriamente a sina que traz no nome, Ndaka perdeu-se na procura da Voz do Povo.
Foi no umbundu em que ele se encontrou e encontrou Ndaka Yo Wiñi, ou seja, a voz do povo. Mergulhou numa pesquisa vertiginosa entre os provérbios, as charadas, os mitos, tendo, inclusive, se tornado num porta-voz da etnia Ovimbundu até nas lides internacionais. Ndaka protagonizou uma troca de experiência com a prestigiada Universidade de Harvard, para o efeito.
Presente
Ndaka Yo Wiñi esteve a assinar a sua obra de estreia, intitulada Olukwembo, no passado dia 25 de Agosto, no Memorial António Agostinho Neto. O evento teve como Mestre de Cerimónia o prestigiado Ismael Mateus que fez uma incursão nos valores abraçados pelo músico que se assentam na investigação e activismo cultural em prol do folclore angolano.
Mas antes mesmo das palavras do Mestre de Cerimónia a atmosfera já estava impregnada pela ancestralidade evocada pelo artista. Havia um grupo de dança tradicional logo à entrada, numa parede musical igualmente tradicional, com direito a instrumentos musicais locais.
Tal decoração adornou o lugar a uma atmosfera cultural única tendo em conta o comum em vendas de discos.
O Anfitrião, absorto em lágrimas, fez transparecer que aquele momento era um o culminar de um exercício de sangue, suor e lágrimas. E tudo isso foi confirmado pela qualidade do show que fez posteriormente. Ao terminar o espectáculo que apresentava, quase 45% do álbum, o artista foi aplaudido de pé, e o público pediu para que bisasse mais um dos temas, provocando, assim, a capacidade de improviso do protocolo que já se via asfixiado pelo tempo.
O tempo era curto, mas as filas para a busca de um autógrafo não. Havia um público muito diversificado a nível etário, de nacionalidade, de classe económica e social, provando a todos os presentes o poder magnético da arte.
O futuro
Ndaka Yo Wiñi representa a vanguarda do resgate dos valores originários de Angola. Representa um tipo de arte que é extensão de uma consciência espiritual e ancestral. E, compreendendo o adágio que diz “que o homem que participa da história não a percebe”, é difícil adivinhar o que de facto poderá acontecer nos próximos anos.
Todavia, a sorte é quando a oportunidade encontra o qualificado. Partindo desse pressuposto, podemos antever que os artistas que estão a compreender a necessidade de se investir na pesquisa, na originalidade e na identidade cultural serão os mais requisitados em casos de estudo, quando a sociedade compreender que só pode haver autonomia com valores originais.