Nótulas sobre o olhar da covid-19 na retina indigenista de Justino Handanga

A Covid-19 é um assunto que nos está a preocupar a todos, no universo. Porém, há aqueles que olham para ela com um olhar artístico. Aliás, os artistas, os intelectuais, os políticos e outras classes na nossa sociedade vêem coisas que a maioria pode não estar a visualizar. Daí a necessidade de se chamar a todos com seus saberes.

Trago-vos este texto para analisar a música “corona” de Justino Handanga (JH). Justifica-se a expressão “indigenista” no título, apenas pelo facto de a mesma ser cantada essencialmente na língua Umbundu.

Além da letra e a língua em que a música foi cantada, chamou-me bastante atenção como Handanga articulou as partes da música. Podemos destrinçar quatro partes que se tecem em torno dela, nomeadamente:

1- Apresentação, a título introdutório, do problema em questão;

2- O apelo aos cuidados que se deve ter contra o vírus;

3- Outro apelo para a entidade a quem podemos confiar;

4- Um olhar de compaixão às feirantes.

Não pretendo analisar as partes identificadas na letra. Porém, logo de início, é-nos apresentada a máxima das lides jurídicas: “A lei é dura, mas é lei”, no sentido de se cumprir escrupulosamente com todas as recomendações emanadas superiormente pelas entidades  competentes. Está a vigorar o Estado de Emergência há mais ou menos 50 dias. Torna-se cansativo para quase todos, mas ordens são ordens e cumpre-as quem tem juízo.

Handanga leva-nos à Bíblia, fazendo-nos reflectir na narrativa de Noé. (Veja-se Génesis 6 – 9). JH faz uma analogia entre o que se passou na era de Noé com o que se viveu nos primeiros dias da pandemia: “Noa otunga ocimbaluku, ombela yo yiya. Omanu vayola yola, vanyua, vapiluka, hati/ vati Noa walinga eyui.” Ou seja, enquanto Noé construía a arca e alertava às pessoas sobre o dilúvio, as mesmas riam-se dele, comiam, bebiam e dançavam, dizendo que Noé estava maluco. Parece-nos que foi justamente isso que aconteceu. Enquanto se apelava para o confinamento, as pessoas (principalmente no continente europeu e americano) achavam graça e não deram a mínima às recomendações da OMS. O resultado está aos olhos de quem vê o estado actual naquelas paragens. Por cá, JH apela-nos para a estrita obediência às recomendações da OMS e dos decretos presidenciais que apelam para o distanciamento social e à higienização constante. “Vencemos o conflito armado; vence[re]mos a fome, mas se não lavarmos as mãos, com água e sabão e usarmos as máscaras, poderemos ser vencidos pelo corona”.

Handanga solidariza-se também com aqueles que precisam de passar o dia nos mercados informais para conseguirem o pão de cada dia. “Talvez alguns não sejam levados pelo corona, mas a fome diária poderá ceifar a vida de muitos dos nossos co-cidadãos”.

Temente a Deus, Handanga apela para que nos preparemos para o corona, buscando sempre a presença divina em nossas vidas.

“Corona”, de Justino Handanga é uma música apreciável de se ouvir, não só pela letra, mas como também pela linguagem universal da música que é a melodia. Quem não se fascina pela letra da música, por não entender a mesma, poderá não resistir à melodia. Handanga cantou. A nós basta-nos ouvir e escutar, para que não sejamos “arrastados” pelo corona. Sejamos os heróis da nossa época.