O nu, a fotografia e a arte – entrevista com o fotógrafo Kkarlos Scesar sobre o nu artístico

A nudez sempre esteve representada na arte quer pela via escrita, oral ou visual. Na visual, foi sempre partindo da milenar pintura; com a fotografia, trazendo maior nitidez descritiva da figura imagética, a nudez traz abordagem delicada enquanto forma artísitca. A conversa com o artista que luta para estabelecer uma arte que causa repúdio passa pelo estabelecimento dessa arte em nossa forma de vida. 

Como e quando começou seu interesse pela fotografia? A partir desse interesse o nu artístico já estava presente?

O interesse pela fotografia surge numa fase em que seguia o trabalho de um amigo fotógrafo, e foi a primeira pessoa que “me picou”, e, de lá para cá, segui os seus passos e hoje digo que consegui trilhar o meu caminho, e faço uns “rabiscos” com a câmara. O nu artístico foi como um desafio para mim, decidi mergulhar naquilo em que é mais difícil de se fazer, torná-lo em arte, sem que fosse transportada a ideia de ser uma arte ligada à pornografia.

Há algum fotógrafo que tenha influenciado na sua técnica? E como foi esta influência?

R: Dos nus, digo que bebi muito de alguns fotógrafos da europa do leste, tais como Vadim Stain, Anton Belovodchenko e tantos outros e, de alguns cá do nosso mercado. No mundo fotográfico no geral, eu fui bebendo de fotógrafos como Sebastião Salgado, Marc Delong, Steve McCurry, José Silva Pinto, Adalberto Gourgel, Luaty Almeida, Costadin… na verdade, a lista é enorme.

Porque considerar-se ainda “fotógrafo amador”? O que precisa a sua fotografia para atingir tal profissionalismo?

Amador não seria bem o termo. Considero-me um aprendiz, sou um aspirante a fotógrafo.

Uma das reflexões do nosso especial é perceber a fronteira da fotografia artística. Para si, o que faz da fotografia uma expressão artística? Quais elementos separam a fotografia despretensiosa da fotografia artística?

A fotografia faz parte da sétima arte, e existe um sentimento que liga o fotógrafo à obra que ele desenvolve. A fotografia apesar de resultar da simbiose entre fenómenos físicos e químicos, ela parte antes da ideia de quem a cria, o sentimento que é empregue é que faz com que ela resulte e ganhe vida. Toda e qualquer obra traz consigo um discurso que a torne interessante, a isso eu chamo arte.

Até que ponto a nudez é uma forma de arte? E porque escolher esta forma de fotografia?

Desde os primórdios da humanidade, a nudez sempre esteve presente. Os grandes movimentos artísticos sempre estiveram acompanhados de obras ligadas à nudez, e são inúmeras obras de artistas que sempre influenciaram a humanidade a admirar o corpo não como um simples objecto, mas sim olhar para o mesmo e admirá-lo mais ainda. Admiro o belo, então este sentimento fez-me mergulhar para o mundo dos nus, fez com que tornasse a nudez em arte, sem que se carregue o sentimento obsceno por parte de quem toma contacto com os trabalhos que faço, fazer as pessoas verem arte num corpo despido, admirá-lo e não alimentar sentimentos que desvalorizem o corpo que nela aparece.

o nu artístico vai muito além de uma simples fotografia com o corpo despido; é preciso que se olhe para este tipo de fotografia e alimentar-se da mesma como arte

Trabalhou até aqui na série fotográfica Nu no Feminino? Como escolheu e determinou o conceito e a finalidade dele?

Tenho desenvolvido vários outros projectos ligados à fotografia, em que o nu se destaca por ser um dos projectos mais polémicos no que toca a fotografia que faço. A finalidade do mesmo ainda está por se determinar, mas, a princípio, busco aumentar a auto-estima das pessoas com as quais tenho trabalhado, fazer com que as pessoas se admirem mais e passem a amar mais os seus corpos independentemente das mutações que o corpo possa apresentar.

Há outros artistas que trabalham também com o nu artístico no país?

Sim, existem vários outros artistas, embora com pouca divulgação dos seus trabalhos que realizam, mas há muito boa fotografia relacionado ao nu artístico a ser feita por este país.

Quais são os confrontos entre o nu artístico e as determinações morais de nossa sociedade?

Partindo da ideia de que o nu causa repúdio, a nossa sociedade ainda precisa mesmo de alguma educação mental e artística para que possa aceitar o nu como forma de arte.

Quais são suas intenções e crenças que guiam seu processo artístico?

É sempre bom a existência de alguém que quebra os tabus das sociedades, e eu mergulhei neste mundo dos nus de forma a fazer perceber que o nu artístico vai muito além de uma simples fotografia com o corpo despido; é preciso que se olhe para este tipo de fotografia e alimentar-se da mesma como arte, ou seja, o nu faz parte de nós como angolano; alguns povos do sul de angola carregam o nu como tradição, e a sociedade admira o corpo deste povo, vendo apenas a beleza que nele carrega.

Qual é a relação entre nu artístico e questões da sexualidade, da aceitação do corpo?

Apesar do nu artístico despertar a auto-estima, existe uma linha que separa o nu como arte da sexualidade. A arte do nu, muitas vezes, desperta na pessoa em si um prisma diferente na forma como encara o seu corpo; a pessoa passa a admirar os detalhes que alguma vez viu em si, começa a amar-se mais e nutre-se de confiança, deixa de ter insegurança, mesmo que veja algumas mutações no seu corpo.

Qual é a sua visão sobre a sexualidade em Angola, dos angolanos?

É um tanto quanto delicado falar-se de sexualidade, mas, como artista e na visão daquilo que é a Angola de hoje, e dada a amplitude que a mente humana vai tomando devido a aceleração da globalização que se vive, a utilização do nu sem pudor tem causado estragos no seio de várias famílias devido a vazão de imagens colocadas a circularem pelas redes sociais.

Quem tem sido, geralmente, os seus/suas modelos?

Por tratar-se de fotografia que envolvam corpos despidos, opto sempre por trabalhar com pessoas que já desenvolveram certa confiança comigo, pessoas “amigas”.

O preto e branco é um estilo significante no seu trabalho, principalmente no projecto Nu no Feminino. Trabalha também com a presença da cor, ainda dentro do nu artístico?

Estou mais ligado ao Monocromático (Preto e Branco), porque não existe ruído entre a obra feita e a ideia que se pretende passar; quem olha para uma obra a preto e branco procura explorar a técnica existente para que se alcance o resultado exposto e, ao mesmo tempo, faz com que o olhar humano não se desvie do foco da obra.

O seu trabalho é exposto maioritariamente na internet. Pretende atingir outro patamar na forma de expor esse trabalho? Quais são?

Actualmente, o mundo tornou-se pequeno devido a utilização da internet, conseguimos atingir vários cantos do mundo com uma publicação feita em Angola ou em qualquer outro ponto do mundo, ganhamos seguidores e admiradores pelo mundo a fora. Pretendo, num futuro, publicar o meu livro de nus.

Para onde vai o nu artístico em Angola?

Toda e qualquer forma de expressão artística na sua fase “embrionária” gera sempre debates, críticas (boas ou más), mas, que com o passar do tempo, é sempre aceite e vista com outros olhos. Como fotógrafo de nus, acredito e tenho fé nisso.

Um dia teremos exposições de nus com  mais aberturas e aceitação dos críticos e da sociedade em geral. Hoje consigo ver o nu com pernas para caminhar…

E para onde vai a fotografia, de forma geral, em Angola?

A fotografia em Angola, apesar da abertura que existe e apresentação de muitos bons trabalhos de fotógrafos locais, ainda há muito que tem de ser feito, e é necessário a união dos artística fazedores dessa arte.