O discurso – sua grelha de leitura

Alguns discursos são incoerentes devido à sua operacionalização. Se recuarmos alguns discursos proferidos, na grelha de leitura angolana, uma boa parte não se encaixa na grelha da materialização. Por exemplo, por razões óbvias, não se pode operar mudanças discursivas sobre o combate à corrupção com as mesmas máscaras, “pessoas” sistemáticas que legitimaram e institucionalizaram a corrupção. Entendemos que discursar não é, simplesmente, falar o que as pessoas querem ouvir e sim é, necessariamente, fazer o que as pessoas precisam.

O discurso é a prática que se quer na realidade de forma extensiva e coerente. Em conta disso e por ocasião das nomeações e indicações, o nepotismo não pode ser combatido com os mesmos horizontes viciosos e paradigmas ideológicos. Se assim o for, o discurso sobre o combate ao nepotismo não tem razão de ser propalado.

Discursar subentende uma grelha de leitura que congrega variadíssimas dimensões como sociais, políticas, económicas, culturais, antropológicas que concorrem para o êxito, ou não, do discurso enquanto palavra em acto. Discursar, sobretudo, não é simplesmente falar o que as pessoas querem ouvir, mas fazer o que as pessoas das diferentes esteiras sociais precisam de ouvir. Portanto, a trilha sonora discursiva de culpabilização e a de vitimização são mecanismos de distracção política.

Porém, ao tratarmos do Discurso enquanto grelha de leitura das múltiplas facetas da realidade, é prudente que se diga, desde já, que o mesmo é o catalisador de efeitos de sentido entre locutores. A grelha de leitura filtra o que é necessário ser dito num discurso, em função do contexto e da realidade existencial. O discurso pressupõe prática-coerente. Daí que, é de todo ilusório e contra-censo quando o discurso é o de combate à bajulação, mas são nomeados os bajuladores.

Ao analisarmos o discurso, estaremos, inevitavelmente, diante da retórica, de como ele se relaciona com a situação que o criou e a sua capacidade de adaptação às realidades, numa correlação entre a língua e o contexto, partindo do pressuposto de que a ideologia seja um microssistema macroorganizado e fechado entre os ideais que servem de postulados como base de frente política. Porém, necessitamos compreender que o discurso como objecto cultural é produzido, também, a partir de variantes históricas, substancialmente condicionadas pela dialéctica ideológica.

Hoje, a pesquisa-discursiva precisa fazer coabitar o estudo com o conhecimento, subsequentemente, aos mecanismos que articulam a leitura discursiva, por exemplo, sintácticos, semânticos, que funcionem como molas impulsionadoras de sentidos. Por outro, quem discursa tem de saber ler, inclusive o que não é dito no enunciado. Pois, nas entrelinhas, o discurso, se não for em acto coerente, poderá ser contradito pela realidade, ser desmascarado pela sua irresonância diante dos factos. Por exemplo, o discurso sobre a aposta na agricultura sem que OGE aloque valores para revolução no sector, desde aos recursos humanos, condições de trabalho e entre outros itinerantes para o efeito, é o mesmo que falar sem nada fazer; são sinais de “ramatismo” discursivo.

A existência de diferentes classes, crenças, doutrinas subentendem diferentes ideologias em permanente confronto nas sociedades. A ideologia é, pois, a visão de determinada classe sobre o mundo, a maneira como ela representa a ordem social. Na perspectiva da Semântica, os subentendidos num discurso são os recursos usados como mecanismos de reforço para que haja maior solidez no que se diz sem, necessariamente, se dizer. Portanto, não é simplesmente o conteúdo em si, isto é, o que se fala, mas o que se queria falar.

As mudanças sociais operacionalizam alterações sobre o discurso e sua perspectiva de leitura. Embora, o oral do escrito tenham as suas fronteiras quer objectivas, quer subjectivas, entendemos que a problemática se remete, por enquanto, à conceptualização, à metodologia de observação e ao estudo para se abordar esta recém-antiga unidade de análise na esteira linguística.

Assim sendo, o discurso é em si uma manifestação linguística inerente às realidades dicotómicas do contexto. Todo discurso, a prior, assenta-se sobre as linhas basilares ideológicas de um determinado segmento social, em função dos modus operandis em que é construído. A sua postura existencial só terá razão de o ser quando for em acto. Por exemplo, se o discurso sobre a qualidade de ensino não se reflectir na prática e com mecanismos que viabilizem o seu melhoramento, são apenas sinais de populismo. Porém, o discurso não é uma abordagem estática sobre a realidade.

Numa perspectiva histórica, o mesmo é também um suporte paraliterário que sustenta os ideais dos distintos grupos existenciais. A sua estrutura discursiva é extensiva aos diferentes pensamentos ideológicos. O discurso precisa, necessariamente, ser encarado, fundamentalmente, como uma malha correlacional em que se consubstanciam como objecto linguístico, como é óbvio, como objecto histórico e cultural por ser a consistência dos tecidos discursivos. Por isso, quando se fala em ventilador, há quem pense que seja uma ventoinha, no quadro da percepção psicocultural e psicossocial.

Contudo, a ruptura é também uma questão de leitura da grelha discursiva, devendo-se ter em conta que discursar é também manter relações institucionais, sobretudo, afectivas para que o sistema ideológico perceba que são as mudanças que devem ser operadas em prol do bem comum.