Quem somos, afinal?

O campeonato europeu mexeu com o mundo do futebol. Não há quem não se tenha ligado aos jogos do euro, uns porque gostam do desporto, outros, por influência de terceiros – pessoas próximas –, mesmo não sendo grandes apreciadores deste desporto. Acredito que mais de 80% dos angolanos tiveram uma inclinação para Portugal, que é normal. Mas não é uma questão de obrigatoriedade apoiar Portugal, é uma questão de afinidade, de escolha movida por várias razões. Pelas mesmas, poder-se-ia escolher uma outra selecção. Fiquei triste quando notava nas pessoas uma necessidade de quase por obrigatoriedade. Pior, colocavam a língua como razão para tal escolha. E essa questão fez-me questionar: Na verdade, para falar hoje Português, foi necessário perder a minha essência, as línguas nacionais. Porque então tinha de ser por essa razão?

Poderão dizer-me que isto já faz parte da história, portanto, passado. E é mesmo por isso que continuamos a ser uma colónia portuguesa, porque esta história foi escrita e continua a ser escrita por eles, cujos personagens continuam os mesmos, a fazerem os mesmos papéis: eles mandam e nós obedecemos, com a diferença da ilusão da liberdade que parece-me mais uma cortina enfumada que nos tira toda noção do real, mantendo-nos numa hipnose controlada pela globalização e exportação de valores e de cultura, num contínuo extermínio dos nossos valores e cultura.

Segundo à história, sim, temos uma ligação cultural, em que a língua parte na frente como o principal elo com os portugueses. Deste, já não podemos nos livrar por uma questão política. Ou seja, não há língua mais nacional que esta, entre todas que fazem parte da nossa vasta riqueza etnolinguística, já que é falada em todas as províncias, embora haja muitos angolanos que não falam Português. Mas, aceitar esta não pode ser uma disjunção das nossas, principalmente para aqueles que não têm outra ligação senão a colonial. Já não posso dizer o mesmo daqueles que nasceram na pátria lusa ou filhos desta pátria, nascidos cá. Destes, com ou sem colonização, não podemos esperar outra reacção.

E nós, cujos bisavós, trisavós ou tataravós foram um monangamba? Semearam canas-de-açúcar e novas pátrias africanas em outras partes do mundo, levando toda uma cultura que encontrou solo fértil em terras longínquas? E nós, que identidade cultural temos?

Não falamos fluentemente uma língua nacional. Percebem? Fluentemente não é conhecer um conjunto de palavras ou saber produzir algumas frases como se fosse um programa. Os nossos pais, os primeiros herdeiros da imposta cultura portuguesa foram os primeiros a nos negar esta riqueza linguística, porque foi implementada nas suas mentes que falar quimbundo é de atrasado. E esta negação até é política. E a consequência é esta: que jovem dos anos oitenta (dos quais faço parte) fala uma língua nacional? Estes ainda tiveram e têm pais que falam uma língua nacional, pois fazem parte de uma época anterior à independência, anos 50 e 60. E a geração dos noventa, cujos pais são da 70, educados pelas mentes trabalhadas directamente pelo regime colonial? Língua nacional nenhuma aí mora!

Poder-me-ão perguntar porque insistir nesta tese, então? Porque aceitar esta situação é o mesmo que aceitar a forma como fomos colonizados, aceitar que nos negassem uma escola, que nos negassem aquilo que estava e está no nosso ADN: cultura bantu.

Mas, ainda assim, gabamo-nos de ter um mosaico cultural rico. De que nos adianta, se não o valorizamos, não o conhecemos, nem o estudamos? Mas não somos nós os culpados, inicialmente. O culpado é aquele que, não se sentindo satisfeito com a sua fome de exploração, queria um genocídio completo. E deve ter conseguido! Pelo menos assim me fazem entender.

Mas este culpado histórico já não está entre nós. Se há uma neo-colonização, esta é permitida pela nossa passividade. Então, nós também somos culpados, pois não temos sabido valorizar um todo esforço exercido pelos nossos heróis. Mais do que isso, não continuamos com a sua luta, já que a independência foi uma batalha, a guerra, esta, há muito que deixamos de lutar. Acomodamo-nos numa sombra sem conforto, cheio de ilusões de uma cultura alheia, festejando alegrias alheias, títulos alheios, para justificar o fracasso da nossa palanca que há muito, sem culpa, deixou de ser negra, está mais para branca, verde.

Há alguma razão para a língua ser um motivo para me atrelar a uma bandeira que negou a minha e continua a negar? Se houver, ainda não a encontrei. Talvez precise de ajuda.

Por isso, pergunto: quem somos, afinal? Uma pátria que teve um passado aterrorizante, imposto, mas que se ergueu ou um rascanho de pátria que esquecemos de passar a limpo? Ou talvez nem pátria sejamos, pois continuamos dependentes?

Vamos lá, minha gente! Acordemos para realidade!