Rebuçados, chocolates e… qualquer coisa tipo água

O impacto mundial do novo coronavírus está a fazer-nos conhecer quem é, realmente, dentre os regentes dos cargos ministeriais. E deu-nos a graça de trazer a público a boçalidade do nosso ministro do interior, começando pela atitude incauta, mediatizada por diversos órgãos de informação, como sempre, não oficiais, ao abusar de seu poder, seja ele qual for, e romper as barreiras definidas para protecção de um país inteiro e dar protecção especial a uma cria sua. Não foi nada disso que aconteceu, o senhor não seria capaz de tamanha irresponsabilidade e até provado o contrário. Trata-se de um servidor público sério, como qualquer outro fabricado pelas fileiras do partido, um exemplo inolvidável de responsabilidade.

Não sei dizer, confesso, se se trata do mesmo ministro que numa altura que devia ser de sensibilização, instrução com ponderação na linguagem, prometeu, com a maior arrogância que se podia ler na sua testa e em directo na televisão, que a polícia não estaria na rua para distribuir rebuçados, nem para dar chocolates. Quem fez isso ofereceu a leitura convicta de se tratarem de ordens superiores, o que já estava a acontecer e a ser veiculado: a violência estapafúrdia de uma polícia há muito despreparada, que tentou lidar com a situação da pandemia, como lida com a das zungueiras. Resultado: o número de pessoas mortas pelas balas da polícia, ao longo do estado de emergência, excedeu o número de óbitos pela pandemia. Desculpem, mas a culpa é deles, não estavam a usar máscaras e estavam na rua até fora de horas!  Bala com eles! Aqui, polícia mata mulheres e crianças e não tem culpa. Também é ser humano e sente-se ameaçado pelas frutas que as senhoras levam no balaio! O dito foi cumprido, não distribuíram rebuçados e chocolates, distribuíram balas e provocaram mortes. Fim de discussão.

Ainda na senda das posições de certos ministros perante a pandemia, um dos principais lemas da prevenção é a lavagem frequente das mãos, o que impôs uma obrigatoriedade ao aumento no consumo de água. E aqui entra em cena, a par da “heroína” da saúde, um dos ministros que mais têm dado as caras e com muita frequência, o detentor da pasta da Energia e Águas. E aqui vamos mesmo assumir que, por causa da pandemia, o ministro em causa parece que, finalmente, descobriu que também existe “ÁGUA” no seu ministério. Afinal, por vários anos e com uma justa ironia, era identificado apenas como ministro da Energia, pois parecia ter o olhar mais virado ao sector eléctrico (onde tem formação, fez carreira e, diga-se assim dum coro, onde sempre rolou muita massa).

Hoje, recebendo ovações e aplausos molhados, diz que corre água onde por anos não corria, chega água onde por anos não chegava, quer seja por vias das condutas ou dos camiões cisternas. Agora, se a tal água é potável ou algo nem tanto parecido, o importante é que já há mais água e está a dar para lavar as mãos e prontos só já! É tanta água que tem saído da boca do ministro, que transbordou até na entrevista que deu há dias na televisão. Aliás, percebi, nesse dia, que é o único ministro que vem desde a época do Presidente Emérito. Está no mesmo posto desde 2011 até hoje (e “Água Para Todos” que é bom, nove anos depois, solução é camião cisterna. OKO!) e, como bem disse em alto e bom som, não está nem um pouco disposto a largar o lugar. Aliás, quem, no seu perfeito juízo, no lugar dele, largaria? Eu é que não!

Quer queiramos quer não, a pandemia está por aí e, por sinal, ainda ficará por algum tempo. Os argumentos dizem que os rebuçados e chocolates estão a substituir os tiros e as balas e que os camiões continuarão a rodar por Luanda até aos confins dos mais necessitados, para ajudar a população a atravessar essa fase difícil. A realidade expressa maioritariamente nos óbitos, nos rostos e gritos de insatisfação e na sede espelha outras coisas. Mas, cá entre nós e felizmente para quem governa, em presença de bons argumentos, ignora-se completamente a veracidade dos factos.

“2020 – O Ano dos Marginais”