Te saudamos, mulher… José Luís Mendonça nos deu asas

Existem mais do que factos para nos gabarmos da nossa cultura que anda muito bem servida de executantes e adeptos, que, incansavelmente, rolam em prol daquela que é a alma do país. Foi assim que voamos ontem sob comando de José Luís Mendonça, que, da cartola e com dotes de mestre, disse, num Recital de Poesia todo arreado de ensejos…, “Te saúdo, Mulher”.

A noite soltava-se, era mais um dia na agenda que ia ao ar, e chegava a tão esperada hora de acompanhar com salvas de palmas, olhos, ouvidos e a alma agrafada à viagem que começara assim que o apresentador da noite soltava com garra a saudação, que não só se estendia a todos presentes na sala como também visitava o rosto da alma da mulher angolana, afinal, era a elas que se alongava a devida saudação. A merística apresentação de Kiocamba Cassua fazia tudo fluir naquele ambiente que agradava a cada tic-tac do relógio. Preenchido, o auditório Pepetela do Centro Cultural Português saudava a dama angolana, pois era a festa das letras, e José Luís Mendonça, o culpado do assunto, fazia com que as centenas de pessoas bailassem nas entrelinhas dos versos e se tocassem com a parte mais profunda da sua poesia. A noite estava doce!

As coisas só estavam a começar! Subiu ao pequeno palco que aos poucos ia se alongando a kota Luísa Fançony, que soltava às paredes do coração de cada um de nós, num ritmo agradável, um dos poemas do culpado da noite. Foi bom ouvir duma mulher de garra e sentir seus lábios a cada palavra que bendiziam, com arte, os traços da mulher angolana. Espectacular! Universo Mavambo também adornou a noite, emprestou sua voz para beatificar os instantes, as circunstâncias, num poema de JLM, onde a mulher é a culpa dos passeios alegres. A noite, perpetuamente conformada em ser especial, dançava também ao ritmo do Quissange tocado todo, ele, ao vivo. As salvas de palmas e a forma como nós, plateia, nos vimos obrigado pela nobreza da arte a soltar uma nota de agradecimento, davam à sala um brilho celestial e só mesmo o abstracto conseguiria contar a fio o quanto aquela noite estava ser especial.

Marta Santos subiu ao palco e nos fez abraçar mundos de ondas novas através da sua voz, nos brindava com um poema de Mendonça, mas era mesmo do autor de «Chuva Novembrina» que, com poemas inéditos, voltava ao palco, que se resumia e reuniam as atenções, desta vez, acompanhado pelo trovador Mawezi na guitarra e pelo percussionista Dalú Roger. José Luís Mendonça, com a típica tranquilidade, esvaziava a lista do cancioneiro e nos enquadrava a portos além da porta daquele auditório, voávamos em visita aos mais recônditos espaços e tocávamos os silêncios em pequenas partículas que se dispersavam dos altos-falantes. A voz do Poeta JLM ecoava até as sanzalas das nossas almas e pintava quadros equiparáveis aos que ficam na sala adjacente ao auditório do Centro Cultural Português. Com certeza, não era ir a casa que sonhávamos naquela hora nem passear com os olhos boquiabertos pela cidade, com asas; queríamos é estar aí, sentados ou em pé, a viajar em sítios profundos e apalpar com as almas cada verso dos escritos do poeta e jornalista. É que estava tudo numa, como diríamos na gíria.

Quando pensávamos que chegava a hora de dizer te saudamos, mulher pela última vez, a dona de «doce de coco», Melvi, acompanhada por Dala de Carvalho, faziam-se ao palco e nos deslumbravam com o som apaziguador daquela guitarra tocada nota por nota, para sustentar o belo que era o canto lírico que progredia na voz de Melvi. Tínhamos a noite nas mãos, estava ganho o dia, e já nem sobrava espaço para altercarmos com as frustrações do trânsito da cidade nem caminhos para sujar em nós, porque, no fundo branco do formato A4 das folhas das nossas almas, estavam impressas em maiúsculas, expressões, a cessação total de hostilidades, ou melhor, a paz.

José Luís Mendonça, desta forma, não só abrilhantava aquele auditório como dava à mulher angolana o devido trato com a mais pura forma de fazer arte. Assim, assume-se ainda que, em palavras miúdas, andamos muito bem servidos nestas coisas de fazer boa arte. Afinal, foi com ela que soltaram-se as notas e os versos mais profundos para dizer à mulher angolana… te saudamos, mulher.