Variação na Língua Nacional Umbundu

O carácter variável das línguas naturais é uma realidade que se deve ter em conta em qualquer que seja o estudo linguístico, pois pode ser um ponto chave na resolução de vários equívocos e problemas linguísticos. Uma língua pode variar a nível fonológico, ortográfico, regional, geográfico, em estratos sociais e outros. O Umbundo como qualquer língua (atenção: LÍNGUA e não DIALECTO), também possui as suas variações mormente no plano fonológico, ou seja, a forma como os falantes de Caconda – possivelmente uma das regiões Ovimbundo na terra dos Nhaneka – falam não é igual a forma como se fala no Lobito, litoral, ou em Camakupa, Bailundo, ou ainda Elende, o que significa que o Umbundo que é falado entre os Ovimbundo não é o mesmo em todas as regiões, isto é, se num lado admitimos que é uma única língua, noutro temos de perceber que a mesma possui ramificações ou variações que podem diferir uma das outras em determinadas regiões, isto significa que cada região possui um sistema linguístico próprio, o que chamamos de dialecto. Em Benguela, por exemplo, a variação é muito palpável, pois algumas realidades que os diferentes municípios possuem em comum são designados em alguns municípios de forma diferente; temos o caso do verbo “abusar” em Umbundo que, enquanto na Ganda se usa uma forma mais aportuguesada “okumbusala”, no Cubal os falantes usam a forma “okuleva” . Para se referir que determinada pessoa perdeu a vida, no município do Lobito, diz-se “Wafa” enquanto no Cubal “Waá”. Se subirmos e formos aos territórios da província da Huíla em que se fala Umbundo, veremos que há também variações em relação ao Umbundo de Benguela, repare: para designar o buraco da porta por onde entra a chave, por exemplo, enquanto que nalgumas regiões de Benguela usam as formas “ombolo yepito” ou “ekumba lyepito” (Ganda), em kakonda e Kalukembe, a preferência por “epangu lyepito” é notável com frequência. Afinal, a variação linguística é uma realidade que, como afirmámos, devemos ter em conta.

É importante que se perceba que a questão da variação não é característica exclusiva e única do fenómeno linguístico, pois ela acontece com uma boa parte das manifestações culturais. Assim, em Benguela, por exemplo, o grupo etnolinguístico Ovimbundo está dividido em vários subgrupos, desde os Vahanha, Vacisanji, Vanduli, Vambokoio, Vanganda, Tchioca e outros; e estes não se manifestam culturalmente da mesma maneira, apesar das manifestações serem as mesmas, ou seja, a dança, o canto, a pintura, o artesanato e outras formas são manifestações culturais, mas elas não são realizadas da mesma maneira nestes subgrupos Ovimbundo, pois vão variando; cada um tem a forma própria, embora com alguma semelhança, de entender o alambamento, por exemplo. A língua como qualquer outra manifestação cultural, também possui as suas variações de acordo as regiões e outros níveis.

A questão mais problemática do Umbundo não se refere às variações regionais, mas sim ortográfica. Os Ovimbundo – como todos Bantu – são de tradição oral, o que significa que a escrita na língua que falam não começou com eles, mas sim com os estrangeiros. Como se sabe, esta e outras línguas nacionais foram estudadas maioritariamente pelos missionários, o que significa que uma boa parte dos livros, gramáticas foram escritos pela Igreja quer Protestantes quer Católicos. E como os missionários das duas correntes religiosas falavam línguas diferentes, de ramos diferentes, também a forma como escreviam em umbundo era diferente porquanto tinha grande influência das línguas que falavam. No caso específico do Umbundo, como é uma língua da região centro de Angola, e a principal corrente evangelística desta região foi disseminada pela Junta Americana que fundou a actual IECA (Igreja Evangélica Congregacional em Angola), antiga Igreja Evangélica do Centro de Angola, os principais estudos foram feitos então por missionários americanos. No lado dos Católicos, uma boa parte era missionário português o que levou a elaboração de uma ortografia também diferente da dos protestantes até porque eram escritos por pessoas de realidades diferentes.

Tal diferença, de ambas variedades, resume-se na representação gráfica dos seguintes fonemas:

•             o fonema consonântico africado /tsi/ cuja representação gráfica não constitui apenas uma luta entre Evangélicos e Católicos ultrapassa essa realidade e diverge de língua bantu para língua bantu. Mas no caso do Umbundo, enquanto que os Católicos grafam “Tch” ou “Ch” – Tchisola, Chisola –, os Evangélicos são peremptórios em grafar em “C” apenas – Cisola;

•             o fonema consonântico palatal /nyī/ que os Católicos grafam em “Nh” – Tchikolomwenho – e os Protestantes em “Ny” – Cikolomuenyo”;

•             o fonema pré-nasalado africado /~dj/, grafado pelos Protestantes em “NJ” – Onjila – e pelos Católicos em ” NDJ” – ondjila.

•             o fonema velar / ñ/ grafado pelos Protestantes em “Ñ” – Ñala – e Católicos em “Ñg” – Ñgala.

•             enquanto que os Católicos representam graficamente as semivogais /y/ e /w/ em Y e W – TchikolomWenho, watopa –, os Protestantes representam-na exactamente por “U e I” – Cikolomuenyo, Uatopa.

Assim temos os seguintes Alfabetos:

Católico:

vogais: A, E, I, O, U.

Semivogal: W e Y.

Consoantes: MB, TCH/CH, ND, F, NG, ÑG,L, H, M, N, NH, P, K, S, T, V.

Protestantes:

Vogais: A, E, I, O, U.

Semivogais: U e I

Consoantes MB, C, ND, F, NG, Ñ, L, H, M, N, NY P, K, S, T, V.

Estas são as diferenças fundamentais entre estas principais variações ortográficas em Umbundo que apenas se circunscrevem a nível da escrita, distanciando do plano fonológico, ou seja, a variação da fala nesta língua nada tem que ver com o Católico ou Protestante. A nível da fala, fala-se em dialectos e estas denominações religiosas estendem-se em todas as regiões do centro de Angola, o que nos leva a perceber que não se compreenderia a afirmação segundo a qual as variações Evangélicas e Católicas estendem-se a nível fonológico.

Esta falta de uniformização da escrita em Umbundo constitui um problema grave cuja resolução constitui uma miragem. E ante isso, está a passividade do Instituto Nacional de Línguas. Nos anos seguintes, por exemplo, teremos as línguas nacionais no sistema de ensino, mas que padrão se vai ensinar? O Católico ou o Protestante? Isso poderá constituir uma dificuldade na alfabetização destas línguas, particularmente o Umbundo. O professor da escola evangélica vai ensinar a forma Protestante, o da escola missionária Católica vai fazê-lo na corrente desta denominação. Essa variação da escrita não é linguística, mas sim religiosa – ninguém da braço a torcer –, pois as justificativas são apresentadas como se fossem dogmas religiosos. Há guerra religiosa ou linguística?! Pensamos ser religiosa.

A verdade é que a falta de uma política linguística e estudos científicos sobre as nossas línguas constitui um problema sério que requer uma observação imediata.