Vítimas do Pão

Há perguntas que não se respondem na terra. Para certas questões, deveras, somente o céu e o Hades têm voz. Pena que se alguém sair daquela e vier explicar, nesta vida, o apocalipse perderá sentido. Há interrogações que, por serem lógicas demais, deviam ser respondidas aqui, carne-carne. Merecem! Apesar de serem como são, gosto de ouvi-las. Ouvir somente e deixar que o silêncio dê a sua opinião para não ficar em branco, que não é nada bom porque fuzila a reputação.

Em 2014, o Eng.°JoséEduardoDosSantos, presidente da RepúblicaDeAngola, Estado da cidadania do meu companheiro Intellectu, anunciou que uma iminente crise vinha bem pelo caminho estreito em que o país marcava passos para o desenvolvimento. O Intellectu contou-me, por meio do Facebook, que os corpos começavam mesmo a caminhar em direcção aos túmulos, pois, as almas, não mais se conseguia escoltar. O Intellectu tem o hábito — bom, mau ou normal— de falar tudo com a mente, diferente doutros amigos que tudo falam com a boca. É por isso, que gosto dele. Faz-me lembrar filósofos gregos de craveira inefável, como Platão, que entendia que a parte mais interessante das coisas era a essência.

A boca diria simplesmente que a vida começava a ficar difícil, para não provocar necrofobia a algumas pessoas, com expressões como túmulos. Mas o Intellectu, como gosta de falar tudo sem as palavras de falar, com o seu jeito filosófico retratava a crise.

Em dois mil e 15, no dia 15 de Outubro, voltou a falar-me sobre o estado do Estado, tendo referido que o Chefe já não tinha ido à AssembleiaNacional, por “indisponibilidade momentânea”, como justificaram os disponíveis perpétuos, pelos quais se pede bênçãos de Jah. Há quem pense que o MaisAltoMandatárioDaNação não tinha cara para declarar vida cara durante o ano subsequente. Falou-me que era uma data inolvidável, contanto que tinha chegado à sua casa um fálus que urinaria urina potável, para a alegria do seu agregado. Fiquei minutos sem entender o que seria fálus, mas, pela urina que segue, pensei na canalização da EPAL e estava certo mesmo. Todavia, ele tratou os tubos por fálus, que significa pénis. Que metáfora metafórica!

Ontem, 21 de Julho de 2016, voltamos a falar, à noitinha, uma conversa que durou muito poucos minutos. Não perguntou como estava a minha família, nem falou da sua. Disse-me que, quando via a TelevisãoPúblicaDeAngola chamando ProjectoÁguaParaTodos, quando via, no seu bairro, somente tubos enterrados, vinha-lhe à memória imagens de homens estéreis. Porquê? Não sei. Não procurei saber.

Falou-me também que o PresidenteDaRepública anunciou deixar a vida política activa em 2018, mas continua sendo o detentor e garante exclusivo da hegemonia do MPLA. Esta parte percebi muito bem. O Intellectu não me complicou. Afinal, não são comuns os homens que conseguem, em pouco muitos anos, alimentar a hegemonização do partido político que em 1.000, 900 e setenta e 5 fundou o País. Disse-me que havia homens a serem vítimas dum neo-esclavagismo, uma vez que trabalham a esperar as remunerações que, há meses, fizeram acordo nupcial com o Desaparecimento, um senhor que leva tudo para o lado de lá. Falou-me que o pão que em 2015 custava 25,00 (vinte e cinco kwanzas), agora está a custar 80,00 (oitenta kwanzas). Depois, já soníloquo, perguntou-me, “com que mataremos o bicho, se o pão agora mata homens?” Eu não consegui responder. Para não dar bandeiras, hinos nacionais ou insígnias, contei-lhe que estava em CampNou, Barcelona, onde soube que o médio português AndréGomes é o mais novo reforço dos “Blaugranas.”