A vida traz ao nosso encontro desencontros que nos deixam, por muitos e muitos anos, de queixo sobre as mãos como se o nosso pescoço já não suportasse sozinho o peso dos nossos pensamentos. Há quem tenha estado perpetuamente de armas em riste à espera das chances que nunca chegaram ao seu alcance. Em contraste, há quem, a quem muitos denominam de traste, tenha vivido sob nuvens de oportunidades para as quais jamais se preocupou em estar pronto, entretanto sentiu o usufruto do fruto proveniente da semente que lançou ao chão sem alguma intenção.
A garantia da continuação da espécie humana é um ponto convergente entre ditames universais, divinos, estaduais e das comunidades. No entanto, devido à dilatação da dissonância entre o crescimento populacional e a produção de alimentos (crescendo essa de modo aritmético e aquele de modo geométrico segundo a Teoria Malthusiana), algumas individualidades que dão a cara por instituições de amplitude internacional deixam à vista sinais que indiciam não concordarem com a máxima de marca angolana que diz: “no prato onde come uma podem comer dez pessoas”. É por esse motivo que se regista, ao longo de variegados períodos, um leque de avanços técnico-científicos com propósito de desacelerar o crescimento populacional à escala mundial, desde a invenção da pílula à criação intencional de fungos, bactérias e vírus que provocam doenças exponencialmente contagiosas e letais.
Mas, a discordância supracitada não tem sido encarada do mesmo modo em todo mundo. Existem lugares em que o fosso entre o crescimento populacional e a produção de alimentos é muito alto. No continente cujo nome significa “sem frio” constata-se o patamar mais baixo no que concerne à segurança alimentar ou produção suficiente de alimentos. A essa situação contribuem a factores como a tardia ascensão à independência dos seus países; a concessão de independências incompletas (de modo geral, as independências foram apenas no plano político); a interferência do ocidente nos assuntos intra-estaduais africanos; a fuga de cérebros; o desejo excessivo dos líderes em se perpetuarem no poder a qualquer preço; os conflitos interétnicos e religiosos; o obscurantismo; a corrupção; etc.
Quiçá como agravante, a questão de passar o testemunho, dando vida a outrem, vai além das fronteiras do dever no seio dos povos africanos. Gerar vida é algo tido feito uma obrigação, uma sacrossanta obrigação. Ademais, a crença de que imensa parte dos filhos não alcançarão a idade adulta e a comparação proporcional que se procura faz do número de filhos em relação à riqueza (quanto maior for o número de filhos, maior será a riqueza) está solidamente enraizada.
Efectivamente, quase todos aqueles que têm África como sua tabanka (expressão crioula guineense que quer dizer aldeia, casa, etc) e atingem a maior idade, 30 ou 40 anos, sem terem lançado “um disco no mercado”, tornam-se o destino dos recados mais azedos que se pode imaginar. Até mesmo quando se tratar de alguém cuja alma já se apartou do corpo.
Por conseguinte, o crescimento populacional no continente berço afigura-se muito intenso, sopesando com os demais continentes pelos quais o planeta azul é constituído. Assim, o dever divino patente em Gênesis 1:28 – Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra – tem sido piamente cumprido.
É no trilho em direcção ao cumprimento desse dever/obrigação que surgem os desencontros, desencontros entre vontades e capacidades naturais. Existem pessoas que são balaios de virtudes devido ao facto de possuírem intrínsecas atitudes dignas de se considerarem acima das de uma mãe excelente. Elas abrem-se num sorriso lustroso quando vêem crianças como faz o girassol perante ao sol, conhecem os apetites mais complexos dos petizes a quilómetros de distância, conservam em seu manso regaço o amparo ao choro que o futuro há-de suscitar, partilham do bocado em sua posse com as pessoas ao seu redor, controlam os seus próximos sem serem chatos, repreendem com desenvoltura apesar de nunca terem menosprezado ou ralhado alguém, pensam no bem-estar de quem está ao pé delas mais do que esse a si próprio; enfim, marcam as outras pessoas com a sua mansidão por toda eternidade. Ainda assim, algumas pessoas, donas de um apreço maior que o universo, não conseguem fazer filhos.
Contrariamente a esse cenário, o contacto com as nuances da vida confirma a existência de seres humanos que até as próprias progenitoras iriam preferir apertá-los entre as pernas se soubessem do feio feitio que os mesmos teriam anos depois do nascimento. São aqueles seres humanos que diante de um estudo meticuloso seriam considerados num autêntico risco ao progresso da humanidade e, concomitantemente, condenados ao desterro para lá dos limites da terra. Mas ainda assim, esses tais são tão fecundos que, inclusivamente, fazem filhos tal qual a semente que brota, cresce e desabrocha por cima da rocha mais imponente.
Portanto, apesar do mundo tornar-se, pouco e pouco, inóspito decorrente do crescimento um tanto quanto vertiginoso da população mundial, assim como decorrente das escasseis de alimentos, a garantia de continuação da espécie humana prevalece, sobretudo em África. Daí que atingir a idade adulta nesse continente sem ter filho é quase um pecado imperdoável.
Não obstante a isso vale realçar que a continuação da espécie humana não se resume somente na capacidade de fazer filhos. Existem outros factores que contribuem sobremaneira na evolução da espécie, se se aceitar que a tal evolução precisa de uma componente quantitativa do mesmo jeito que requer uma componente qualitativa. E é para esse último quesito que as pessoas portentosas em dotes para serem mães sem no entanto terem tido filhos fazem toda a diferença, devido ao facto de se afirmarem numa fonte exuberante de inteligência emocional.
Dedicado à Natália Nhyama. É por ela e talvez para ela que vai a presente crónica.
OBRIGADO TIA NATÁLIA, DESCANSE EM PAZ!