A voz-saber

A fome nunca foi assassina. Nem a preguiça inimiga. O nosso corpo, bem como a nossa vida, nos bairros, matos e cidades, porta uma biologia fidedigna e típica, que funciona com acerto aos humanos e à natureza como os únicos produtores dos fenómenos graças e desgraças. No pico deste episódio régio, o ser humano é o produtor de ponta. Ou seja, rescaldando, recai nele o esnobe ofício de granjear ao universo da felicidade. Outrossim, é a alegoria que temos da felicidade – um termo rútilo, gritante e translúcido a senhorear copiosas matizes, entre tons, meios-tons e acepções por cada uma das expressões que se obtem do seu uso sacrossanto. 

Ora, quem nasceu no tempo do “uauéé” tem a consciência ensarilhada nos calvários da guerra, onde a fome era mais lesante, porém, jamais ceifou almas. O nosso “eu” é continuamente um narrador de histórias bélicas e, dentro da sua mente pictórica, há uma patologia nominada “Sombras do Passado”. Na verdade, seriam aversões que, esbaforidos, permeiam parte ou um todo da infelicidade do nosso hoje povo coisificado.

Agora, o “coisafeismo” do povo é talvez uma perícia ambígua da sigla que nos governa. É talvez o SIM ou o NÃO das nossas bocas e almas contra às maquinadas conquistas gloriosas dos egoístas no nosso seio pátrio. No crivo duma lídima sondagem, há um moringue de barro, cheio de águas ebulientes, nominado “o grito do cidadão”, prestes a enrubescer.

Se desculparmos a fome, a preguiça e outros males no nosso confronto com as razões que a natureza nos apresenta, quanto a sua inocente intervenção no universo infelicidade do nosso cotidiano, uma vez que, a nossa biologia é contínua e initerupta no tempo e espaço «só talvez na consciência e essência, quando mudadas pela mesmas causas imutáveis que existem na própria natureza e, que se justificam de quase tudo, por apenas cumprir princípios gerais de pré-ciência.», teremos o último produtor das graças e desgraças a quem culpar. Enfim, teremos uma matemática humana a resolver. Dito doutro modo, pouco e pobre, o homem é o resultado da matemática humana. Sem tossicar, tremelicar ou pipocar nas palavras, o nosso eu, por quanto for personagem silenciosa dos capítulos da sua vida exótica, será a própria (in) determinabilidade.

Nós andamos a pentear macacos ao Estado? O nosso humanismo é uma voz gritante por fome? Nos bairros, ruas e esquinas, o proletetário de hoje é um homem sobre a lua – uma nuvem negrérrima dum céu que jamais deu chuva. Nos Coqueiros, por onde um escritor de Angola passava, talvez na calçada de Paiva de Andrade, ali à Mutamba, cruzei-me com um monangamba – um tal de mestre faz-tudo – já os devem saber. Julgava eu que a existência deles era putativa para o escritor que perpassava, felizmente, ele também a tinha de cor. São então vários estendidos ali, que nos cochichos se reproduzem, vindo dos lamaçais. Olham bem no que fazem, sem esforço ou ajuda do Estado.

Nesta nota, há um amigo meu narrador de longa data, que, melhor que eu, conhece a cidade de Luanda. Conhece o itinerário que leva ao Kinaxixe, à Mutamba, ao Maculusso, Miradouro, largo das escolas e dos ministérios, entre outros sítios onde seus olhos cegos o levam, curiosamente. Porém, este meu amigo sempre reclama da fome. Diz-me, quase sempre nos sussurros das letras que, tem vozes que fazem histórias, e essas vozes são as dos hodiurnos proletários. Neles, contam-se o taxista, a zungueira, o cobrador de taxi, os lotadores, os cabelereiros, os engraxadores de sapatos, as pexeiras, o barbeiro, o alfaiate do bairro, o roboteiro, o ardina, o pedreiro, etc. Enfim, todos os heróis da Angola de hoje. No fim, ele corrige sempre a sua consciência altaneira e, na aversão leninista, saudosista, o homem voz do texto, cheio de magreza no tom, ondeante a torpeza no linguajar houvera, com rabiscos de novas doutrinas de mim, um personagem esfíngico, sem terra, e bagos de alegrias tremendas e retumbantes, e diz: “Só morre de fome quem confia a sua alma ao Estado.”

Se olharmos donde saímos – a nossa vida, a sanzala, os contos, os romances, o lupanar, a guerra, a paz, e agora o ódio camuflado dos papistas de Angola contra o povo, veremos que a natureza, a biologia humana e os seus efeitos, em nada nos afectam à morte. Por exemplo, a pandemia da covid-19. Ela mata, sim. Podemos aceitar essa ideia, ainda que de olhos fechados cá em África e em especial em Angola? Todavia, não do grosso e análogo modo da nossa “máquina exterminadora” que ora, decorre nos seus 45 anos de existência.

Por fim, a glória não triunfa com a ganância e egoísmo. O nosso maior inimigo ainda é o homem. A preguiça, a fome, a covid-19 são partes de uma biologia natural, que existem, porém, nos afectam para o bem da glória dos outros.