Angola em Cinco Dedos de Vida, de Ismael Mateus

Essa mistura de sentimentos pôs-me a pensar num livro que fosse marcante, divertido, crítico e fácil de ler. Principalmente fácil de ler, dado que andava totalmente sem tempo. O primeiro que me veio à cabeça era, sem dúvidas, “Cinco Dedos de Vida” de Ismael Mateus. Numa visão clara e, até, um pouco moralista, o autor descreve-nos Angola a partir de cinco contos.

No primeiro, D. Florência decide dar uma festa inesquecível para seu marido, o chefe de Cremilda João. Nesta festa, mamã Zinha invade os convidados na área onde se pode ter maior privacidade: o pensamento. Os mesmos vão se debatendo com a arte de não pensar para reconquistar o direito à privacidade. Haverá alguém capaz de mentir a profetisa da verdade?

No Segundo, Man João Trinta decide morrer. Man João Trinta, essa personagem carismática, que nos lembra muito o mestre Tamoda de Uanhenga Xitu, é, de certo, o mais divertido quase que soa a absurdo a sua construção.

Man João Trinta vai-nos guiando pelo seu diário antes da sua morte, dá-nos dicas de inglês, conselhos sobre como progredir na vida, traições, relacionamentos amorosos, gestão de patrimónios, vinhos e ainda, como se não bastasse, é o maior organizador de óbitos que já vi entre personagens ficcionadas na literatura. Esse conto é um tutorial aldrabado de como dar o fim a sua vida. Tão crítico que chega a ser cómico. Mas vou deixar as interpretações para os leitores.

capa do livro Cinco Dedos de Vida, de Ismael Mateus

O Terceiro conta-nos a sobre uma aldeia cujo soba se encontra adoentado e a sua filha é engravidada sem o prévio alembamento, gerando o caos e a desordem na aldeia. Uma gravidez que gera discussões na família do Soba, e a aldeia acaba amaldiçoada. Só “a morte do soba acabaria com o mal-olhado que foi lançada sobre a aldeia Cangombe”.
Esse conto é aquele a que peço aos leitores uma atenção maior, pois, para mim, trata de um assunto em ascensão em Angola: Os Direitos da Mulher. E, segundo os meus amigos, é até quase profético. Eu, porém, não iria por aí, sou um pouco mais sensato e acho que este comentário se trata de uma propaganda do editor, com todo respeito. Mas, caso não seja, meus camaradas, e se for realmente profético, é nesse conto que consta toda a maestria do autor e torna o livro inacreditável. Como bom menino, eu não deveria falar política, mas os camaradas que lerem vão perceber essa minha inquietação.

No quarto, temos a história de um Doutor casado que é seduzido pelo perfume, charme e uendelu de uma Dama de vestido vermelho. O mesmo, que nunca foi atrás de uma mulher, percorre a marginal inteira para saciar os seus desejos mais carnais. Camaradas, devo confessar que é essa a parte do livro sobre a qual não tenho grande interesse. Tive a ideia de que a marginal é fosse grande demais e que o nosso querido personagem é fosse insensato demais. Quem não daria conta que ela… ups! Quase dei um spoiler, camaradas.

O quinto trata-se da história de três jovens: Marcos, Mário e Sérgio Pequeno (Os Três Magníficos da Bola) e do seu treinador que substituiu o último que é obrigado a abandonar o cargo quando decidiu colocar dois dos três magníficos da bola no banco. Acusado de traição e suborno pelos treinadores de bancada, que, diga-se de passagem, depois dos Kunangas, são o que mais existe em Angola. O treinador passa por uma extrema depressão até que a sua linda mulher é obrigada a agir.

Esse conto é uma crítica engraçada sobre mediatização e fanatismo futebolístico praticado constantemente pelos treinadores de bancada.

É a primeira vez que vejo literatura a funcionar tão bem com futebol, e todos nos sabemos que o futebol fica em terceiro no ranking das maiores fontes de prazer em Angola, atrás da Cuca e das noites, é claro.    Alguns pormenores são de total interesse, quase consegue-se sentir a técnica dos jogadores. Ismael Mateus consegue relatar de forma emotiva e clara nesse conto o futebol, que é um desporto dinâmico e imprevisível. Sempre pensei que fosse difícil reproduzir o mesmo em literatura. Ai se essa moda pega, abandonaremos os psicopatas e Jokers e passaremos a ter Gelsons, Ary Papels e Messis como personagens literários, haveria topsellers de futebol literário, sei do que digo porque sou um praticante apaixonado do desporto em questão.

Portanto, meus camaradas, deve-se ter em conta que nesta obra dividido em cinco contos, cuja ligação entre eles é de uma interpretação difícil de conseguir, Ismael leva-nos a conhecer Angola, aquela complexa Angola do dia-a-dia: divertida e, às vezes, absurda.

Uma narrativa rápida, clara, divertida, recomendada para quem quer começar as suas aventuras literárias ou para quem quer começar a ler e entender a literatura angolana.