Como apaixonar-se por engano – análise à peça do grupo Amazonas Teatro

Na noite de estreia da peça Apaixonados por engano do grupo teatral Amazonas Teatro, o público foi recebido com música acústica, cujo tema era Eu Sei (original de Papas da Língua), anunciando, talvez, que “tudo pode acontecer” com os personagens ou, talvez, que alguém fosse “jogar ao mar flores para encontrar” seu amor (como quase veio mesmo a ser, embora não tenha sido o mar a via). A música anuncia certa distância entre dois amores (como acontece na peça), mas o público, maioritariamente casais, celebravam o fevereiro do amor.

A medida que se aproxima o espectáculo principal, a noite ainda fica preenchida por um grupo de actores entre nove e quinze anos que apresentam algumas esquetes (cenas de curta duração), cada uma satirizando aquelas particularidades dos musseques e desta nossa vida moderna. Já que o público estava já a ficar enganado de qual peça se tratava, as luzes baixaram. Quando esta retorna num efeito ascendente, traz-nos tão logo a figura central da peça: um jovem desprezado por qualquer cúpido em todos seus trinta anos e vivendo na casa dos pais.

É nas notícias cores-de-rosa de um jornal mandado comprar pelo pai em que o jovem personagem Latildo se confronta com o anúncio de um “concurso” para conquistar o coração de uma socialite, escrevendo a melhor carta e enviando a melhor foto. Surge-lhe um desejo de alcançar tão elevado glamour, vencer o desemprego e sair da casa dos pais para casar-se e viver numa ilha de Cabo Verde. Era o prémio. Lembra-se, porém, que não tem beleza e charme suficiente para, entre muitos, conquistar a “donzela”; facto reforçado pelos amigos cépticos quanto a qualquer tipo de sucesso que Latildo possa vir obter na vida. E ainda reforçado pelo próprio pai, este que lhe serve como o (des)norteador das suas decisões, ora aconselhando ora contradizendo seu conselho.

Sem muito influir sobre ela, a narrativa da peça se desfaz fluidamente, apresentando as tentativas hilárias do personagem que tiram largos aplausos do público durante o espectáculo e, por instantes, fazem os risos, na sala, abafarem algumas falas.

Os actos que compõem a peça, com a direcção artística de Chance El Shadai, capturam o jogo das imagens a que estamos cada vez sujeitos com a presença das redes sociais. Afinal, embora a peça use o jornal como via, agora é mais fácil trocar impressões com donzelas de níveis desiguais e, mesmo assim, partir para promessas de longos amores, sendo que tudo isto anuncia sempre uma grande surpresa no palco real das coisas. As aparências chegam mesmo a enganar.

O espectáculo que abriu o ano artístico do grupo Amazonas Teatro carrega-se de personagens que nos fazem ver, com sarcasmo, os desamores e desilusões das paixões. E parece que há já um elemento característico em personagens e peças satíricas de alguns grupos de Luanda: é a utilização de alguma frases marcantes ou até mesmo slogan que estes usam para encarar o público com leveza e fazer com que este, mesmo depois de esquecer as falas, lembra-se daquelas frases engraçadas. Para o efeito, as frases têm de ser “firmes, fortes, mas nunca frouxas”, tal como diz, na peça, o pai de Latildo ou como o próprio, dar um “Wassa” num grito de victória acompanhado por movimentos únicos do actor.

Onde não faltam amigos que só anunciam óbitos, uma irmã que reforça a incapacidade do personagem principal vencer no amor, as “cassumunas” (é assim que se chama uma dupla de mulheres vaidosas que auxiliam a donzela nas escolhas do seu amor), Apaixonados por engano é para rir da deselegância, da forma de vestir dos esquecidos, da forma de sonhar dos que se apaixonam por impossibilidades.


Peça: Apaixonados por engano

Grupo: Amazonas Teatro
Autor: Tony Frâmpenio
Direção: Chance El Shadai
Duração: 45+ minutos
Género: Comédia
Estreia: 17 de fevereiro de 2017

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