Arruinar o comum com o teatro – análise à peça do Colectivo de Artes 1º de maio

As histórias de famílias desestruturadas e de amores impossíveis caem no gosto popular mais agilmente. Provaram-no o público presente na exibição da peça “Amor Arruinante” do Colectivo de Artes  1º  de  Maio.  As mais altas literaturas, assim, também vêm testemunhando: Tolstoi fê-lo (“Todas as famílias felizes parecem-se umas com as outras, as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”, citando Ana Karenina). E numa sorte dos tempos, Shakespeare testemunhou das mais célebres histórias de amor impossibilitado (“Onde estás, meu Romeu? Renega o teu pai e abdica do teu nome; E, se não tiveres coragem, jura que me amas, e eu deixarei de ser Capuleto”, citando Romeu e Julieta).

Os temas nesta epígrafe aparecem na peça teatral do Colectivo de Artes 1º de Maio, sendo tema central um amor arruinado ou arruinador resultado, primeiro e em menor grau, das estruturas familiares dos personagens centrais, segundo e mais relevante, resultado das divisões sociais entre ambas as famílias.

Mas não é propriamente sobre as famílias que a narrativa abertamente se transpõe. Ela segue dois jovens que, num acidente próprio dos cupidos (ainda estamos em fevereiro), cruzam as vidas e vão alimentando uma incontornável paixão. As aventuras pelas quais se deixam levar fazem com que se esqueçam de qualquer divisão social ou de qualquer aprovação familiar. Ambos fazem frente a estes dois aspectos quando Dona Esmeralda, uma senhora da alta classe dominadora e que não aceita o envolvimento da filha com alguém da classe inferior, tenciona abertamente separá-los estando disposta a tudo.

É uma narrativa que explora um comum patente no imaginário popular, que foi se estabelecendo pelas produções literárias, cinematográficas e televisivas, sobretudo desta última, através das telenovelas. Mas Ângelo Cristóvão, o diretor artístico, e os actores do Colectivo de Artes 1º de Maio não permitiram que a peça caísse numa espiral do previsível.

A presença dos personagens atribui autenticidade à peça, e o espectáculo transporta

tons do hilário, com a presença dos pais do protagonista, que nos fazem acompanhar, quase que num acto de voyeurismo, o dia de uma família tipicamente angolana (sobretudo com o desempenho da actriz Julieta da Costa) e, também, de uma empregada de limpeza que, na ausência da patroa, assume papéis de senhora de casa (trabalha até de saltos altos);

tons do romântico com os protagonistas que vão dando uma aula de amor ao público, seja com os actos da peça ou interagindo com o público;

e tons do obscuro através da forte personalidade de dona Esmeralda, através do desempenho, com relevo, da actriz Flora Zorro.

É destes actos e da forte caracterização dos personagens que se vai quebrando a relação com o comum. E assim, amenamente, vamos refletindo sobre o preconceito familiar, sobre o amor material e as fronteiras do amor. A peça volta em cartaz a 19 de Março no Sumbe, Kwanza Sul, e ainda terá passagem por Malanje e Uíge.


SOBRE A PEÇA

Peça: Amor arruinante
Autor: Ângelo Cristóvão
Direcção: Ângelo Cristóvão
Duração: 70+ minutos
Género: Tragicomédia
Estreia: 2010 (9 vezes em palco)