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A arte está nos musseques – Sobre a exposição Mu Seke de Pedro Pires e Babu

A configuração caótica dos musseques é das mais puras formas de arte. Talvez se queiram convencer desta minha sentença e emoldurá-la numa dessas “frases para pensar” da internet quando por cá passar um reporter da BBC e, com as técnicas mais avançadas de edição, condicionar o nosso musseque a isto. Mas, não esperando isso de nenhum inglês ou, ainda, de um americano, o Pop-up Mash-up com Pedro Pires e Hamilton Francisco (Babu), dois artistas em constante movimento por Luanda, Lisboa, Porto ou Veneza, fundiram-se sob este tema.

A exposição, com variadas técnicas desde serigrafia à acrílica, passando pela escultura, trouxe um elemento que atribui todo sentido ao tema em questão e não deixa escapar esta configuração caótica e fechada que são os musseques: as nossas casas de chapas.

As peças estão instaladas em casotas de chapas montadas mesmo no espaço de exposição do ELA, cada uma próxima da outra, criando estreitos corredores ou mesmo ignorando estas passagens por estarem algumas “coladas”. No interior das casotas é onde encontramos elementos identitários dos nossos musseques – estão lá o luando, bidon de 20 litros, a catana, etc. – que são acompanhados pelos quadros ou ainda telas com vídeos em exibição. Estando sozinho nelas, até é possível desfrutar o quadro sem que haja ninguém que o impeça de chegar mais perto ou, ainda, sentar-se no luando.

Entre as obras, Pedro Pires (que já esteve em destaque aqui na Palavra&Arte) dá-nos, individualmente, os diamantes brutos dos musseuqes (afinal, quantos, depois de saídos de lá para as cidades, precisam de ser lapidados que nem um diamante?). A propaganda (83×108 cm, 2017, em serigrafia artesanal) aparece também no MU SEKE, obviamente, em plena dominação política com a figura do “Herói Nacional”, repetida em seis fragmentos (afinal, é nos musseques que se molda facilmente o nacionalismo ou/e falso nacionalismo través da propaganda). O “Kikolo Walk”, um vídeo loop de 30 minutos, remete-nos a um dia qualquer ensolarado de um quase walk (passeio) pelo mercado e minutos depois começar uma forte chuva. No entanto, as pessoas no mercado não se sentiam impedidas pela chuva, querendo voltar aos seus sítios sem concluir o que tinha de concluir, quase contrário ao vídeo em que as pessoas estão em rewind ou forward (título de outro vídeo loop). Nos musseques, ninguém quer andar para trás.

Entre as obras, há ainda espaço para esculturas de marmitas e ferro, carros de mão dos roboteiros, a pilha de pneus.

Talvez os nossos musseques fiquem para trás da arte por serem mais um artefacto, devendo-se a sua eficiência técnica e funcional. Mas, com o advento da arte contemporânea, já pouco é tão técnico e funcional que não possa merecer uma abordagem conceptual e ascender ao pedestal de observações artísticas. Neste sentido, a arte está nos musseques. Se quiser que o convença disso, ande pelas ruas de um desses condomínios dos “novos ricos”, vai espantar-se por muita coisa. Há o meu musseque Rocha Pinto, sítio de intermináveis histórias, caos e motivos de espanto. E é arte um espanto.

SOBRE A EXPOSIÇÃO

Pop-up Mashu-up trata-se de um projecto do Espaço Luanda Arte – ELA que mistura o conceito de pop-up, algo que abre por curta duração num local, e mash-up, que é criada a partir da mistura de dois ou mais temas pré-existentes de forma a serem fundidos. A exposição MU SEKE vai de 03 de fevereiro a 1 de março de 2017.