Um estudo do Fundo das Nações Unidas para infância revela que “cerca de 120 milhões de meninas no mundo, quase uma em cada dez, foi estuprada ou vítima de abusos sexuais antes de completar 20 anos” (Jornal de Angola, 2014). Em 2016, o site de notícias Voa Português diz que o estudo realizado apenas em Luanda indicava um total de 134 estupros em dois meses. Quem escuta o programa radiofónico do Paulo Miranda, em Luanda, sabe que o maior número dos relatos é de familiares de meninas vítimas de abusos sexuais e casos de violência contra mulher. Infelizmente, numa sociedade como a nossa, tipicamente machista, tais números tendem a tomar proporções maiores.
Numa época em que se fala mais frequentemente sobre igualdade de direitos, as mulheres vêem no mês de março mais uma oportunidade para diminuir estes números, para combater o assédio, a violência doméstica, a invasão de privacidade e o desrespeito à mulher; vêem a oportunidade de empoderar vítimas diárias de discriminação e desvalorização apenas pelo facto de serem mulheres. Assim como Clara Zetkin – socialista que apresentou, no 2º Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, uma proposta de se constituir um dia internacional para as mulheres –, em 1911. Avançamos em muitos aspectos, quanto a alguns direitos, a educação, as mulheres tornaram-se altamente escolarizadas e hoje muitas assumem posições de destaque em corporações. Mas a violência não avançou, e boa parte dela acontece dentro do seio familiar.
Nesta edição, as mulheres lideram ao abordarem assuntos que as representam e não só. Em “Memórias das mãos sujas”, de Lwsinha MC, apresentamos uma crónica que nos transporta para a realidade de muitas famílias, nela levamos a reconhecer que uma acção rápida de intervir, ao observar-se o indício de uma violação, pode levar-nos a salvar vidas; em “Boa sorte, Dieji!”, de Cláudia Cassoma, contamos a luta de uma mulher que, pela fuga de um lar opressor, busca liberdade e felicidade; na proposta de literatura, de Leopoldina Fekayamãle, temos “Niketche: Uma história de poligamia”, da escritora moçambicana Paulina Chiziane, na qual abrimos os horizontes para a literatura feminina, não angolana, e mostrando, assim, os “reflexos das sociedades que legitimam a subalternação das mulheres aos homens, prejudicando-as e desumanizando-as”.
Nessa edição, o posfácio, de Hélder Simbad, ultrapassa as nossas fronteiras e nele apresentamos “Os Ângulos da Casa” – da, também, moçambicana Hirondina Joshua –, mostrando que “a ‘casa’ representa o seu espaço interior, podendo apresentar-se como um útero, o símbolo feminino”; com o “O estilo em literatura”, da Profª Teresa Silva e Silva, especificamos como se desenvolve a maneira particular de cada artista exprimir os pensamentos a partir da linguagem falada ou escrita. À fotografia angolana, por sua vez, damos um destaque peculiar, com artigos que sugerem um mergulho na realidade desta arte dentro das nossas geografias, assim propomos “Um flash à fotografia angolana”, ensaio de Cíntia Gonçalves; “O nu, a fotografia e a arte”, uma entrevista a Kkarlos Scesar; e “Fotografia, a arte de congelar vida em forma de luz”, de Bruno Fonseca; e, não menos importante, em Portfólio, “A mulher, sob Rural”, uma exposição, de Selma Fernandes, na qual representamos uma série de fotos que emanam a força e a beleza do feminino angolano no seu quotidiano.
Como P&A, sentimos um forte desejo de encontrar formas de engrandecer o país, relatando artisticamente as regressões e avanços para que encontremos o caminho a seguir. Precisamos estar alertas e apoiar esse processo de implantação de uma cultura que defende os direitos da mulher dentro de uma sociedade. Elas são fortes, capazes e determinadas. Vamos ouvir suas vozes, abraçar as suas causas, respirar as suas artes, deixar a sua sabedoria envolver-nos como suor impregnado em nossos corpos. Deixemo-las crescer livres e plenamente, contribuindo com vigor sobre formas diferentes de fazer cultura.