Em um dos artigos por nós escrito (André, 2018), afirmámos que a crítica, vista, verdadeiramente, como a actividade de interpretação ou decodificação de obras literárias, deve ser feita por pessoas adultas no mundo da leitura e que, doptadas de senso crítico, conheçam as teorias da literatura (formalismo russo, desconstrucionismo, estruturalismo, pós-estruturalismo, neo-criticismo…) ou/e a filosofia (racionalismo, materialismo…). Ora, o indivíduo tido como crítico não deve ser ditador de verdades, ou seja, achar que os seus textos são as mais puras verdades sobre dada obra de determinado escritor, pois a literatura, sendo um campo onde a subjectividade reina, permite múltiplas interpretações.
A obra «Ausentes», de Stella Constantino, é uma novela construída, essencialmente, sob a base do monólogo e da descrição. A narradora-protagonista, Sonhadora Compulsiva, mostrava-se cansada com os estragos que a morte (que ela, remetente, carionhosamente ousa tratar por Mor em alguns momentos da composição das 13 sucessivas cartas cuja destinatária é a morte) causava na sua vida e nas dos seus próximos. Ao contrário do que se diz (de que as 13 cartas não foram respondidas pela receptora, a Senhora Morte), acreditamos que, por má compreensão da obra por parte de alguns leitores, as 13 cartas sejam, sim, respondidas (por meio de uma carta de acusação da recepção e respostas para a substância das cartas) pela receptora das mesmas, como podemos constatar no seguinte estrato: «Olá, Sonhadora Compulsiva. Recebi o teu presente (…) estava desposta a não te responder (…) mas depois tocaste em pontos tão íntimos. Foram várias as perguntas que fizeste. Lamento (eu, morte) dizer-te, mas não sou obrigada a responder nenhuma delas (p. 133)».
Conforme já afirmámos, a descrição é uma das características fundamentais da obra «Ausentes». A narradora-protagonista, utilizando «o seu bom espírito observador a fim de captar todos os pormenores que sejam úteis à descrição, quer envolva pessoas quer objectos, paisagens ou o tempo», consegue «pintar por palavras» a baixa de Luanda, descrevendo os edifícios, o mar e algumas pessoas, zungueiras, jovens, taxistas e outros (figurantes).
Nascimento e Pinto (2006, p. 198) afirmam que «enquanto a narração representa a parte dinâmica no desenvolvimento da acção, a descrição representa um momento estático, de pausa». Em «Ausentes», a descrição acaba por petrificar a trama, a acção da novela, pois ela, sobrepondo à narração, quase que reduz a acção aos momentos em que a narradora-protagonista, Sonhadora Compulsiva, sentava-se para escrever as provocadoras cartas enviadas para a morte.
O acto de escrever contos, novelas ou romances, exige do escritor muito cuidado para com a conectividade (coesão e a coerência do macrotexto), porquanto um desleixo poderá estragar a sequência do narrador criado pelo autor de dada obra literária. Em «Ausentes», há algumas falhas de conexão das ideias da narradora. Quem a lê, apesar do bom cocketail de filosofia, poesia e opiniões de autoajuda, percebe que a narradora-protagonista, depois de estar sem um fio de ligação aos outros lugares, em contextos criados repentinamente, não demonstra que presente entrega, verdadeiramente (para desfecho da novela), à morte, se as rosas vermelhas ou a sua vida. Vejamos: «com aquele toque gelado, grande parte das minhas perguntas foram silenciosamente respondidas, e a paz que aqueles meros segundos de contacto me transmitiram foi mais do que suficiente para eu saber o presente ideal para ela». Pelo estrato aqui citado, conceber-se-ia que o presente que a narradora-protagonista deu à morte era a sua vida, mas, para desconexão da novela, mais para lá, no final, a morte responde às 13 cartas e agradece-a pelo presente, as rosas, que a mesma, sabe-se lá como, a terá mandado. Esta e outras acções espontâneas, como o rápido coito com o personagem brasileiro de nome Kilombo mesmo quando ela afirma que não terá esquecido ainda o seu eterno amor, Henda, fazem com que «Ausentes» seja uma novela de ausências, sonhos e utopias. Atentemos a seguinte passagem: «… se eu soubesse que era um olhar (o de Henda) de até um dia, ter-te-ia segurado pelo braço e ter-me-ia oferecido para ir contigo (p. 115)». Porém, como todos os livros, há momentos e dizeres em que não houve ausências. Atentemos: «os loucos são filósofos de uma sanidade incompreendida. Muito se fala da morte por aí. Não tão baixo para se tornar inaudível, mas não tão alto para que ela não consiga ouvir e decidir participar. A eternidade é uma falácia que sustenta a alienação dos homens. As despedidas magoam-nos, porque, na verdade, nós não sabemos amar»…
À guisa de conclusão, podemos dizer que «Ausentes», de Stella Constantino, é uma narrativa forçada, com uma narradora-protagonista que, a olhar pelo modo como elabora o seu discurso e pelos seus nomes (Sonhadora Compulsiva ou Lua Cheia), padece de neurose, com feridas na alma, por ter perdido os seus próximos (pai, mãe e amante) e que, não se contentando com a perda, decide questionar o porquê da existência da morte, dar esperanças de que a morte não é o fim de tudo e levar os seus leitores para uma reflexão em torno do modo como encaram a vida, a mulher, a sociedade e a religião. Outrossim, como afirmou a prefaciadora da obra, «o segredo para se compreender esta obra está no amor», pois sabemos que «o amor é um contentamento descontente», ele tudo suporta, até as ausências.
Bibliografia
ANDRÉ, J. F. (2018). Crítica Literária: para limar as arestas. Palavra e Arte. Recuperado em 23 de Agosto, 2018, de www.palavraearte.co.ao
NASCIMENTO, Z., & PINTO, J. M. de C. (2006). A Dinâmica da Escrita: como escrever com êxito. (5ª Ed.). Lisboa: Plátano Editora