Canjala – a terra amaldissonhada

«O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas.
Mas é isso o que tememos: o não ter certezas».
(Dostoiévisk)

– Aonde é que gostaria de ir, senhor Cruz dos Santos? – pergunta o Kobele das Mbaias.

– Para Canjala. – responde Cruz dos Santos.

Pelo que o mujimbeiro Kobele das Mbaias começa a exortação:

– Canjala é um erro: a começar pela forma como se escreve. É Canjala com “c” de cão e não com “k” de kwanza. Demonstra bem a visão do seu povo. Trata-se de um povo aportuguesado, que de nacional só tem um pouco da pele. Os pais lá na Canjala são autarcas que delapidam o estado para garantirem o bem pessoal em detrimento do bem colectivo. Os filhos são viciados em livros, drogas, roupas, concertos, automóveis e música, enfim, são filhinhos de papai!

Cruz dos Santos, atónito com as informações sobre a terra onde gostaria de passar o final de semana, pede mais pormenores ao senhor mujimbeiro Kobele das Mbaias e esse continua o fio da sua estéril lógica:

Hoje mesmo, lá haverá uma festa dos filhinhos de papai e seus amiguinhos, novos canjalenses ou canjaleanos. É que, de tanta arrogância, o povo dali nem o Salvador Dali os conseguiria pintar com um gentílico. Canjalenses ou canjaleanos não importa! O que importa é que os pais, lá, não proíbem os filhos de consumir álcool ou fumar. Fumam que fumam e bebem que bebem. Eu próprio já gravei um vídeo deles com a minha ex-futura máquina Cá non. Aqueles jovens tchilam como se não houvesse amanhã. É que, de tanta comida em casa, não sentem fome. Com tanto dinheiro nos bolsos, esses nossos cigarros SL (sem luxo) não se lhes sabe a nada. Gostam é de xixa, cocaina e da boa liamba de Kiwaba Nzoji. Os jovens da Canjala são intelectuais e artistas que tentam imitar a mítica vida da Sociedade dos Poetas Mortos, contudo, devido aos problemas da reforma que quase se lhes deformou malmente e a falta de emprego, não passam de um team de arrogantes que quando bebem e fumam acham-se maiores e melhores do que Bukowski, Sartre, Zola, Breton, Pessoa, Mallarmé, Herberto, Dostoiévisk, Dali, Simone, Agualusa, Clarice, Florbela, Neruda, Flaubert, Petrarca… Tu Pac, Africa Bambata, Valete, Eminem, Boss AC, Azagaia e outros.

O homem, Cruz dos Santos, depois de todo o mujimbo, pede para o motorista, Kobele das Mbaias, o levar até a Canjala. Canjala fica longe qual a noção de um só povo e uma só nação nas terras do poeta que morreu depois de ter comido um bom funje de pato na Rússia.

Ao caminho que leva os turistas a Canjala, as estradas, mesmo feitas com impostos de valores acrescentados de circulação, são esburacadas, os postes têm luz escura como o pecado, jamais vista alhures, os polícias cobram gasosa em papel de kwanza. Ninguém entra na Canjala se refilar!

Cruz dos Santos, com todos os transtornos, chega a Canjala. Vai à festa dos jovens da circunscrição, todavia, em toda a via, é barrado pelos seguranças do team arrogância por não ter um tênis da Galáxia. Cruz dos Santos liga para o motorista Kobele das Mbaias e esse, para acalentar o cerebelo do senhor Cruz, lhe sugere ir a Marginal ouvir a tradicional prosa dos marginais, mais diversificada do que a economia da terra do Novo Messias.