A paixão não é cega como dizem, ela vê mas decide ignorar. Eu sentia que havia algo de errado nessa tua necessidade de afirmar sempre que eras honesto. Todos os sinais estavam aí. Essa coisa de ler livros e achar que as pessoas se comportam como as personagens é que me desgraçou. O teu comportamento para mim deixou de soar esquisito, passou a ser peculiar, original. Talvez fosses tão atencioso assim com todas as tuas amigas, eu pensava. Tu tomavas as decisões e eu só obedecia.
As aparências externas deixam-nos confusos. A que chamaríamos essa relação? Flerte? Amizade? Interesse mútuo? Conversas-intermináveis-sobre-tudo? Existem relações que carecem de uma nomenclatura, uma definição, um verbete no dicionário. A cabeça da moça explodia, badalava, como o sino da igreja, próximo da sua casa. O tal sino que, certa noite, ao tocar, fê-la despertar assombrada, às 22h00.
. Era uma amizade clandestina e tenebrosa. Uma amizade demasiado confessável, excessivamente verdadeira. Nas relações humanas a perfeição é macabra, normal é a imperfeição. O elo entre elas fazia lembrar os gémeos uterinos, pois a ligação entre as pessoas pela dor tem algo de místico e sobrenatural, uma sincronia insuportável. Essas pessoas não se toleram, entedem-se; como se a comunicação fosse de modo telepático. Adivinham-se as intenções, adivinham-se as acções.