Criatividade, cultura e economia: uma relação necessária

A actual conjuntura político-social e económica de Angola é ténue. Nesta fase da vida nacional em que se redesenham momentos difíceis, é preciso envolver todos os organismos da sociedade na solução.

O presente modelo de diversificação da economia centralizada na agricultura é, à partida, um autêntico fracasso. É um modelo que não está realmente comprometido a erradicar a fome e a abaixar os índices de pobreza. Os economistas apelam a aposta na agricultura familiar como bola de arremesso à economia. Quantas lavras serão precisas? E quantos lavradores? Seremos todos?

Sabemos que a agricultura familiar é praticada para sobrevivência. Logo, através dela não há como potenciar a economia de um país, onde falta sementes, indústrias e é inexistente o escoamento de produtos. Além disso, não facilita o emprego, a integração e a coesão social. A agricultura familiar promove a exclusão. Não podemos ver a agricultura em si só como a “senhora dos ovos de ouro” ou a portento de salvação, sob pena de afunilarmos até ao abismo a economia.

Neste sentido, consideremos que uma apropriada política de diversificação deve englobar, dentre outros sectores, a indústria criativa e a economia criativa. Entretanto, para responder ao desenvolvimento, é preciso articular e compreender a interface cultural, criatividade, tecnologia e economia. Hoje é a economia criativa a maior impulsionadora do crescimento e desenvolvimento de vários países. Pois ela é centrada nas necessidades das comunidades. Ora vejamos que a economia criativa lidera o crescimento, gera emprego, promove a inovação ou criatividade, a coesão e integração social, e, para isso, é necessário políticas sérias. É preciso visão de aguia e sentido de oportunidade para superar a polarização e as desigualdades económicas.

A base da economia criativa é o “desejo de criar coisas que vão além da dimensão pragmática”. (Newbigin & Rosselló, 2010). O que isso quer dizer? Quer dizer que se explorarmos as habilidades, a criatividade e o acervo cultural (tradições, heranças, crenças, etc.), chega-se a fortalecer o sector criativo e promover a identidade cultural. Todos estamos interessados em vender e comprar cultura (música, dança, teatro, moda, artes visuais, etc.). Portanto, teremos crescimento e desenvolvimento.

Na sua alocução aos participantes do IIIº Simpósio sobre cultura Nacional, sob o lema “forja da angolanidade”, José Eduardo dos Santos, nas vestes de presidente da República, disse ser “necessário que se elabore um conjunto de diplomas referentes às artes, ao espectáculo, ao cinema e audiovisual [e] que se estabeleça [um] quadro normativo regulador de concessão de apoios do estado (…) ” (Santos, 2006). Aplaudimos na altura, mas não entendemos e nem fizemos nada. Hoje, imbuído de um espirito analítico, concordamos que, vista deste ângulo, a cultura passa a ser um factor decisivo de progresso social e deve ser então uma actividade fundamental da governação. Ao se elaborar tais diplomas legais, há uma maior fiscalização dos apoios dados aos criadores, por um lado. E por outro, desempenho da criatividade. Apoiamos a criação de leis para apoio dos artistas. Embora defendamos também que deva haver apenas incentivos à criação e não submeter os artistas a um processo burocrático. É preciso encontrar meios mais fáceis de interacção entre o estado e os criadores. O Estado deverá criar projectos onde a criatividade e a tecnologia é o motor galvanizante. Podemos aqui descrever: projecto de restauração de monumentos e sítios; projecto de promoção das manifestações artísticas (artesanato, danças, pintura, tecelagem, literatura, musica, etc). Neste contexto a criatividade surge como sendo “a principal ligação entre a cultura, a economia e a tecnologia”  (Newbigin & Rosselló, 2010).

A economia criativa tem como bens transaccionáveis produtos que, embora os valores não sejam contáveis, podem alavancar a economia. Falo de produtos como música, roupas, filmes, teatro, livros, criatividade e performances. Além do valor de troca (compra e venda), do valor funcional (maneira de uso no dia a dia), adquiri um valor expressivo (significado cultural). Os bens com valores expressivos são renováveis, ou seja, uma blusa ou uma bolsa, da moda, do ano passado, pode ser comprada no ano actual. O mesmo pode acontecer com a música, o teatro, a dança e os livros, por exemplo. Hutton como referido em Newbigin e Rosseló (2010) diz que “as ideias com valor expressivo (…) geram novos pontos de vista, prazeres, experiências; constroem conhecimentos, estimulam as emoções e enriquecem nossas vidas.”

A criatividade não obedece limites. É livre. É um processo “disruptivo que questiona os limites e os pressupostos estabelecidos” (Newbigin & Rosselló, 2010). É preciso criar-se um ambiente criativo onde flua a criatividade. A criatividade exige reflexão, motivação, investigação e divulgação. O livre fluxo de ideias criativas sustenta a inovação. É ali onde entram as indústrias criativas e as comunidades criativas (espaços compartilhados onde se desenvolvam actividades de conexão e associação). Neste espaço há um intercâmbio entre quem vende e quem compra e ambos se satisfazem mutuamente.

A política cultural que se empregar deve contemplar o “Crowdfunding”, isto é, um investimento que qualquer pessoa da comunidade pode fazer do seu negócio usando a internet. Crowdfunding quer dizer, em tradução literal, financiamento pela multidão. Por exemplo, pode ser por iniciativa do Ministério da cultura ou individual (do artista), a criação de blogspot, um site ou ferramentas de interface, na Internet, onde pudesse angariar fundos para seus serviços ou produtos. Temos grandes exemplos deste tipo de financiamento colectivo: O facebook, Wikipédia, YouTube, Estátua da Liberdade, etc. desenvolveram-se e são o que são graças Crowdfunding.

É preciso perceber que o desenvolvimento e o crescimento de qualquer economia são, actualmente, calcados numa aldeia global onde o intercâmbio permite um entrecruzamento de culturas que geram bens expressivos. Logo, se queremos verdadeiramente alavancar a economia, ao passo que forjamos a nossa angolanidade, é preciso cultivar-se, não através da agricultura, mas através da inter-relação entre cultura, criatividade e tecnologia. Só assim chegaremos lá.

Bibliografia

Newbigin, J. & Rosselló, P. (2010). A ECONOMIA CRIATIVA: UM GUIA INTRODUTÓRIO. British Council.

Santos, J. E. (2006). Discurso de José Eduardo dos Santos, Presidente da República de Angola, na Abertura do IIIº Simpósio sobre cultura nacional. Luanda.