A (des)crença na minha, tua e nossa (In)dependência

Foi há 41 anos, a 11 de Novembro, que Agostinho Neto anunciava a todos angolanos e ao Mundo que Angola, a partir daquele dia, se tornara uma nação, um país independente. Isso passou a consistir liberdade em todas as dimensões, particularmente, para manifestações artístico-culturais. Passou a consistir também que já não tínhamos de nos submeter à cultura do opressor, hábitos e costumes de vivência e convivência deste. Mas que povo nos tornámos 500 anos depois de submissão a um pensamento estrangeiro? Obviamente, já não o mesmo.

Culturalmente, tornamo-nos híbridos, com a maior inclinação aos hábitos e à língua que nos foi imposta. Não fomos capazes de proteger a nossa cultura, a nossa forma de estar e ser contra o quase genocídio que nos foi submetido.

Após a Independência e durante os efémeros anos na presidência, Agostinho Neto discursou sobre a necessidade de resgatar os nossos valores, os nossos hábitos e costumes. Quatro décadas depois, com um novo pensar político no poder, o discurso continua a ser o mesmo e, somente, isto. O que conseguimos resgatar, verdadeiramente, nestes anos de independência? Sinceramente, não consigo sentir nesta geração valor algum resgatado. É difícil achar que se tenha conseguido pôr em prática este grito de necessidade por uma identidade, sem rascunho de dúvida, que ficou aprisionada nos discursos e políticas em papéis.

É visível, pelo caminho que as nossas línguas bantu têm tomado, um rumo de desconhecimento e de desfalecimento ao saber do povo. Como, em 41 anos, não se tenha conseguido implementar as nossas línguas no sistema de ensino? O que nos restará de valor, de tradição e cultura com a morte destas línguas? E aqui incluo já a Língua Portuguesa como nossa; aquela que valoriza as vogais, principalmente as abertas; que diz sim às consoantes nasalizadas, contradizendo uma norma europeia que, consciente ou inconscientemente, continua a colonizar-nos. Quando é que tomaremos o comando da nossa situação linguística?

Se por um lado a desvalorização das nossas línguas rouba-nos valores, por outro, é o desdenho que a cultura no geral sofre. Pelo menos, sofrem aqueles que se azararam a não dançar ao hino do palácio. Culturalmente aceites são aqueles que se submetem a dar favores em troca de uma mesquinhez atenção à sua manifestação cultural, como se fosse ele o único beneficiário de tal acto. Pois, levamo-nos a pensar assim porque representantes da nossa cultura – cujo objectivo tem sido o resgate de alguns valores, que tanto se politica, e conservação de outros – têm sido esquecidos, ou melhor, atirados para fora da margem dos interesses do palácio. Alguns lesados são os Kilandukilu, Bonga, Waldemar Bastos, Gabriel Tchiema, Sassa Tchokwé e muitos outros. Com a sua popularidade, alguns conseguem escapar a esta mendigação ao Palácio e dão a errada sensação de serem bem aceites e apoiados.

Infelizmente, este desprezo estende-se para outras artes e formas de manifestação cultural. O que dizer dos novos escritores que sofrem com o desacreditar das suas anteriores gerações? Se há necessidade de resgatar e preservar valores, há outra, de liberdade. A falta de atenção que estes têm sofrido é uma forma bem silenciosa de querer calá-los como se fossem a infestar a literatura, que, por outras e várias razões, já tem andado doente, mas, graças a insistência contemporânea, tem dado vestígio de recuperação. No fim, parece que querem uma literatura moderna, presa a estilos clássicos que foram movidos por razões e necessidades um tanto quanto opostas às da actualidade.

E quando decidem dar atenção, dão mesmo, de uma tal forma, que nos obrigam a desejar o desdenho. Só isso para explicar cancelamentos de concertos, que não arrastariam perto de duas mil pessoas, em espaços legalmente permitidos – que o digam a dupla Ikopongo que, do nada, tornou-se mais conhecida do que se previa e esperava, porque o muro de Berlim decidiu mover-se contra eles. Perdão pelo sarcasmo! São estas ondas de liberdade de expressão artística, e não só, que têm chamado tanta atenção. Pois, tais ondas têm invadido todos os cantos desta terra que vai para além deste palácio. Mas por enquanto, parece que têm conseguido travá-las.

Portanto, culturalmente, podemos dizer que estamos dependentes de uma elite que, a todos 11 de Novembro, recorda-nos como foi a conquista, querendo, com certeza, que nos sintamos independentes. Mas longe disso!

É por estas e outras que desacreditar nesta (In)dependência não é difícil. Mas submetemo-nos a um exercício para continuar a acreditar nela, talvez, com a força desta crença, ela se concretize realmente. Viva à (In)dependência!