Elegia: o filme sobre o amor à luz do tempo

E se, enquanto esperássemos de braços cruzados por quem sempre amámos, nos apercebêssemos que a nossa vida está à beira do fim?

Talvez esta seja a questão mais profunda ao qual o filme de género dramático encaminha os espectadores. O mesmo tem como personagem principal Ben Kingsley nas vestes de David Kespesh, professor renomado da Universidade de Nova Iorque e crítico literário, que se envolve com sua belíssima estudante de nome Consuela Castilho, personagem interpretada por Penélope Cruz, numa relação em que o erotismo, o romantismo, a paixão pelas letras e a efervescência do amor se assumem claramente como ingredientes primordiais. À medida que a relação vai se tornando séria, os pormenores antes considerados irrelevantes – como a diferença de idade entre ambos que passa dos 25 anos – tendem a ganhar cada vez mais influência, sobretudo por parte dele. 

Consumida pelo fogo da paixão, Consuela falou a alguns de seus familiares e amigos sobre os encontros prazenteiros que tem tido com David, e o quanto esse tem sido especial para ela. Com efeito, tais pessoas, uma após outra, manifestaram o desejo de conhecer o homem de quem tanto se fala. Como forma de satisfazer tal desejo, acrescido à necessidade crescente que ela mesma sentia em mostrar ao mundo o quanto gostava dele, convidou-lhe para ir à casa dos seus pais por ocasião da festa em alusão ao diploma que ela recebera. Não vendo motivos para negar um pedido feito com tanta brandura, ele aceitou.

Só que, ao aproximar a hora H, ele sentiu-se gradativamente incapaz em cumprir com o que havia acordado, imaginando a recepção desprezível dos familiares dela de que seria alvo por causa da sua idade estar tão distante da idade de Consuela, ele tão velho e ela tão jovem. Por fim, decidiu não ir. Mas como estava ciente de qual seria a reacção da jovem, tentou suprimir o efeito nocivo de tal decisão através de um telefonema. Ligou para estudante inventando uma desculpa que não teve o resultado esperado. Ela percebeu que estava a ser enganada. Tal ocorrência foi motivo para ela pôr fim à relação. Ainda assim, ela olhava para o seu telemóvel esperando pelas chamadas dele. Este também esperava que aquela ligasse, mas ninguém ligava. Nem ela, nem ele.

Depois de alguns anos, ela regressa à casa dele e faz revelações que lhe farão observar a diferença de idade de modo bastante diferente do que antigamente. A jovem diz, com a face tornada nascente de um rio permanente, que tem pouco tempo de vida por estar padecendo de cancro avançado, que se sente tão velha quanto ele e que sente enorme arrependimento por não o ter procurado mais cedo, visto que, desde que ela decidiu dar um ponto final à relação, não voltou a apaixonar-se por outro homem, não teve outro namorado. Ademais, dizia sentir raiva de si mesma, porque nos momentos mil em que vivia presa no seu orgulho, passando dias trincada no próprio quarto, perdia a chance que a vida lhe estava dando para maximizar o tempo e a intensidade do prazer de estar ao lado de quem ela realmente tanto ama. Enfim, ela sentia raiva de si mesma por deixar passar oportunidades para solidificar memórias que poderiam afrouxar o impacto do presente triste que se apossou dela: a doença.

Entretanto, o arrependimento não era apenas dela. As revelações de Consuela fizeram David perceber que se desse o braço a torcer, ou melhor, se tentasse contactá-la descobriria a correspondência entre o amor sentido por ele com o amor sentido por ela, apesar da distância que imperava entre o casal, bem como pelo motivo da separação. Tais descobertas poderia fazer dele o homem mais felizardo do mundo, porquanto, além de não ter-se apaixonado por mais ninguém, sempre soube que amar e ser amado era uma dádiva sem comparação possível.

Elegia, filme de 2008 baseado no romance “O Animal Moribundo” de autoria de Philip Roth, impele-nos a olhar para as relações amorosas para além daquilo que é politicamente correcto, fazendo-nos reflectir em que ponto e até que ponto devemos viver de acordo com a sociedade quando a nossa noção de felicidade não coincide com regras constituídas por ela; até que ponto o sentimento de estarmos bem connosco próprios pode resistir perante as críticas provenientes da sociedade; até que ponto viver consoante a sociedade pode alterar as nossas reais e mais profundas preferências. Por fim, e talvez mais importante, o filme realizado por Isabel Coixet nos desperta para a utilidade de vislumbrarmos a vida como uma viagem cuja paragem derradeira pode estar logo ao virar da próxima esquina.  

E se enquanto esperássemos de braços cruzados por quem sempre amámos, nos apercebêssemos que a nossa vida está à beira do fim?