Estudo dos fenómenos paragoge, apócope e vocalização no Português angolano por influência das línguas nacionais bantu

Nos últimos cinco anos, ou um pouco mais, tem-se intensificado as vozes, acompanhadas de alguns estudos, que defendem uma Língua Portuguesa angolana em detrimento da variante ou Português europeu (PE). O que trazemos nesta abordagem é mais uma contribuição para esta necessidade contínua de estudos à volta da variante angolana da Língua Portuguesa ou Português angolano (PA) para que haja um argumento científico para “forçarmos” a aprovação de uma política que valorize e formalize a nossa variante e para, finalmente, levarmos ao Brasil e a Portugal uma resposta que contribua para o respeito à diferença sem que deixe de haver unidade entre as nações falantes do Português.

A análise que trazemos tem a ver com influência que as línguas nacionais têm dado ao Português, como já foi visto em vários outros estudos. E para entrarmos no assunto, levantamos a seguinte pergunta como problema: por que razão há dificuldades de os angolanos pronunciarem palavras em Português que terminam nas consoantes l e r?

As palavras em Português têm duas terminações possíveis: em sílaba fechada e em sílaba aberta. Chamar-se-á, portanto, de sílaba fechada aquela que termina em consoante, e chamar-se-á de sílaba aberta aquela que termina em vogal ou ditongo (Azeredo, Pinto & Lopes, 2011). Neste caso, tendo em conta a nossa pergunta-problema, há muita dificuldade de os falantes angolanos pronunciarem palavras cuja última sílaba é fechada com l e r. Embora haja quem possa conseguir, fá-lo com muito esforço e, portanto, de forma irregular. Ou seja, nem sempre que se depara com tais palavras, as consoantes finais l ou r são pronunciadas.

Ao contrário do Português, as palavras das línguas nacionais bantu só têm uma terminação: em vogal ou sílaba aberta – como no caso das palavras “kuzola” “kunua” “maka”, “kuku”, “kufukununa”, “Njila” do Kimbundu ou ainda das palavras que compõem o excerto da música “Ushiwa”, em Cokwe, de Gabriel Tchiema do álbum “Mungole”: “Kalombo tata wasamba weza / Mbuge yami hi yahuma / Ai myaka yesue tale tale / Nhi gigi muliso kolo”. Ou seja, não existem palavras em línguas nacionais bantu de sílabas finais fechadas. Por influência do contacto do Português e das línguas nacionais bantu, não por uma questão de gosto, os falantes acabam por “engolir” as consoantes l e r finais, naturalmente, facilitando-lhes as pronúncias. Esta influência resultou então nos fenómenos da paragoge, apócope e vocalização.

Em consequência do exposto no parágrafo anterior, obtém-se, por exemplo:

  1. do verbo “amar” a forma “amá” ou “amarê”.
  2. do adjectivo “fácil” a forma “fáciu” e do advérbio “mal”, “mali”. No primeiro caso (fácil ˃ fáciu), só sucede nas palavras graves com esta terminação, e no segundo caso (mal ˃ mali), só acontece com palavras agudas com esta terminação.

No primeiro caso (amar ˃ amá) do primeiro exemplo, temos o fenómeno do apócope por ter ocorrido a supressão do fonema r no final da palavra. Já no segundo caso, ocorreu paragoge, fenómeno que consistiu no acréscimo do fonema ê (amarê) no final da palavra (Azeredo et al., 2011).

No segundo exemplo, temos no primeiro caso a vocalização por ter ocorrido uma alteração ou passagem da consoante l à vogal u. E no segundo caso, aconteceu, tal como no segundo do primeiro exemplo, paragoge. Ao contrário daquele caso, neste houve o acréscimo do fonema i (mali) no final da palavra “mal”, mas também tem ocorrido o acréscimo do ê (malê) (Azeredo et al., 2011).

Para uma melhor credibilidade do que acabámos de expor, propomos a prestarem atenção a muitas composições musicais de autores angolanos. A título de exemplo, apresentamos abaixo a transcrição dum excerto da música “Casamento” de C4 Pedro em que há um “abuso” no uso do paragoge e apócope:

“Contigo estou a casá

Apesar de tudo

Amorê, quem nos viu e quem nos vê

Ninguém pensou que isso ia durarê

Vamos festejá nosso dia

Amô, me ama só

Eu vou te amar até morrerê

Eu nunca vou te largarê

Memo no céu, nunca vou te esquecerê

 […]”

Devemos ainda aclarar que a supressão de consoantes finais em sílabas fechadas e/ou o acréscimo de fonemas vocálicos depois destas consoantes não acontecem apenas em finais de palavras, também são verificáveis no interior de palavras (Undolo, 2016), estando, assim, diante de outros fenómenos que aqui não são chamados, mas que resultam da mesma razão: contacto entre a Língua Portuguesa e línguas nacionais.

Portanto, os fenómenos aqui abordados só ocorrem pela influência das línguas nacionais no Português, já que os mesmos, até a uma dada altura, só tinham sido vistos durante a variação histórica deste. E como deverão ter dado conta, os mesmos fenómenos sucedem no campo fonológico e não gráfico, de tal modo que os falantes, no acto da escrita, grafarão sempre “amar”, “fácil” e “mal”, salvo se o falante tiver deficiências linguísticas na representação gráfica dos sons que produz. Ou seja, falantes há que escrevem tal como falam sem observarem as regras de ortografia e contextos frásicos. Estes, óbvia e erradamente, cometerão erros ortográficos, grafando “amá” ou “amare”, “fáciu” e “mali”.

Mas seria um escândalo se, no acto de uma formalização e normalização da variante angolana, passarmos a grafar “amare”, “fáciu” e “mali”?

Seja qual for ou fosse a resposta desta pergunta, fica claro, mais uma vez, que lutar contra as variações que sucedem no Português realizado entre os falantes angolanos residentes em Angola, seja de que nível académico forem, é o mesmo que passar um boletim de óbito para uma língua que se comporta e quer viva (Mateus & Cardeira, 2007).