O Futuro da Poesia Angolana

O passado, o presente e o futuro estão intrinsecamente ligados numa recta temporal que tende a ser infinita. O futuro pode ser calculado ou especulado de acordo com os dados que se têm de um determinado momento. Partindo do pressuposto de um eventual prognóstico certo, fundado no estado actual, abordaremos esta temática em duas perspectivas: no plano da produção e no plano da publicação, pois que «o futuro da literatura angolana não depende só dos escritores» (Marta Santos: 2015) e sim de um conjunto de factores reunidos e, em situações excepcionais, de eventos inesperados que podem eventualmente ocorrer.

A Literatura é, como diria Julia Kristeva, uma instituição social; diríamos, nós, uma das múltiplas instituições que compõem as sociedades e, portanto, a sua evolução está intimamente associada a diversos factores advindos dos vários segmentos sociais, entre os quais, destacamos os seguintes:

  1. O Contexto político: O modus operandi do aparelho político pode levar os poetas a escrever um tipo de poesia, diferente daquela que lhes é habitual, num dado momento. Exemplo disso seria a estratégia literária adoptada pelos poetas do ‘‘pós-mensagem’’ que, por força da repressão colonial acelerada após o quatro de Fevereiro de 1961, interpuseram recurso a uma linguagem hermética, distinta daquela que lhes era habitual; «ninguém ousava escrever um “Monangamba” ou um ”Mussunda amigo”» (Jorge Macedo: 1986). O sistema de governo também tem as suas implicações: a Democracia oferece uma maior abertura e permite uma diversidade em termos opções temáticas que podem partir da poesia de intervenção social de Fridolim à poesia erótica de Lopito Feijóo.
  2. Tendências Literárias: A ascensão de uma nova corrente literária, o renascimento de uma poética ou a reformulação de uma ideo-estética podem provocar alterações significativas no sistema semiótico literário. A Poesia-dita[i], praticada pelo Berço Literário, Lev´arte e outros grupos, é uma corrente em ascensão que, pelas suas facilidades, encontra mais aceitação por parte dos jovens; a Agristética, reformulação do pensamento surrealista, aliado à «Estética» de Croce e às vanguardas literárias angolanas que se deram na década de 80 (Kiximbula e Ohandanji); e o Classicismo, dogmaticamente ensinado na academia, pode demonstrar aquilo que será a futura poesia angolana; as influências do cânone natural[ii] em oposição ao cânone institucional[iii] podem também provocar alterações semióticas.
  3. A qualidade do ensino: As indefinições do nosso ensino reflectem no défice elevado de escritores jovens com qualidade que se conseguem afirmar dentro da comunidade literária. E, se a nossa análise futurista se baseia no estado actual, para o futuro, seguramente, teremos um número muito reduzido de escritores com qualidade e uns tantos a se afirmarem a nível da imprensa. É importante dizermos que o quase perfeito conhecimento da Língua, principal instrumento de trabalho de um escritor, e o grau elevado de cultura geral só se tornam possíveis com um ensino de bastante qualidade, ou com um árduo autodidatismo.
  4. A situação económica do país: Estabilidade económica permite a publicação contínua de obras, ao passo que a crise a impossibilita.
  5. O avanço das tecnologias: Um bom escritor é geralmente um bom leitor. As novas tecnologias aproximam as comunidades e dispõem de um grande acervo de material electrónico que pode ser aproveitado pelo escritor em potência, bem como para a divulgação da sua obra.
  6. Crítica literária: Após a afirmação da Geração de 80, instituiu-se um certo terror metodológico e ideológico que condicionou, fortemente, a Crítica Literária e a própria criação literária (qualquer opção técnico-formal que se deslocasse da matriz estética instaurada não era tida como poesia). Por via desse posicionamento preconceituoso, em alguns círculos, passou-se a atribuir à Crítica literária uma nota artística negativa, fazendo crer que a finalidade de um discurso crítico é, com efeito, empobrecer a obra a que ele se refere. Apesar dessa condição nefasta atribuída à Crítica, é importante que os jovens reconheçam que a obra literária necessita de um discurso que a comente e a esclareça e que, sem a Crítica Literária, a Literatura torna-se uma instituição incompleta, senão mesmo vazia.

A Nível da Produção

Os poetas dos próximos dez anos são os jovens poetas que hoje se mostram nos mais variados espaços literários que existem em Angola. Se quisermos prever o futuro, temos de abordar o presente. E o presente é este, frequentemente criticado e raramente elogiado. Pergunta-se: E onde se buscam os fundamentos para essas críticas? O porquê desta visão apocalítica? Há falta de humildade entre os jovens? Conflito inter-geracional, ou porque os jovens não demonstram evolução no plano da criação, ou porque os kotas não aceitam as novas tendências literárias?

Umberto Eco, numa coletânea de ensaios a respeito da questão da cultura de massas na era tecnológica, abordados numa perspectiva estética, apresenta-nos o título «Apocalípticos e Integrados». O crítico italiano usa esse par explicitamente antagônico para aludir àqueles que lêem o passado por um viés literário, social ou histórico. «Apocalípticos» seriam os críticos que vislumbram o passado com um olhar saudosista, retendo dele a era dourada e perdida. Os «integrados» defendem a leitura moderna do passado, interessa-lhes o momento actual. O autor de «Obra Aberta», sabiamente, evita tomar partido de uma das partes e defende uma atitude intelectual moderada, que saiba fazer dialogar passado e presente. E é de facto esta ponderação que deve acompanhar sempre as nossas abordagens, sem deixarmos de parte valores importantes como a honestidade.

Longe de um olhar saudosista, sem ter de concordar plenamente com os apocalípticos, é com muita tristeza que temos de dizer que o passado ainda é melhor que o presente e, a esse ritmo, continuará a ser. O normal seria o contrário, pelo facto de hoje termos mais ferramentas à nossa disposição. O processo de alfabetização literária passa pelo domínio sistemático das técnicas do passado, logo o passado é tão somente uma das ferramentas à disposição do presente. Em contrapartida, a nova geração não pode olhar para o passado como algo imutável. Deve sobre ele traçar um novo caminho, forjar a sua tendência até amadurecer. E os mais velhos devem abandonar ou deixar de lançar um olhar apocalítico sobre o futuro da Literatura e respeitar ou ajudar a melhorar as tendências emergentes. Porque a visão global que muitos têm do estado actual advém de uma análise baseada em estereótipos, como se nada de bom estivesse a ocorrer.

O valor artístico de uma obra, dizia Chklovski, formalista russo, não decorre apenas da sua estrutura verbal, mas também da maneira como é lida. A tendência literária, a que designamos Poesia Dita, quando bem escrita tem o seu encanto, tem o seu mérito, mas como vivemos de ideias pré-concebidas, encerradas por momentos menos bom com este ou com aquele poeta, generalizamos e perdemos a oportunidade de descobrir as virtudes de uma nova poética. Que se trata de um estilo, ainda em fase embrionária, precisando amadurecer, é factual. Mas dizer que devem abandonar esse estilo, nunca. O apocalíptico é aquele que não percebe que vivemos um período de diversidade estético-literária.

Os integrados, movidos pela filosofia dos contrários e acreditando num eventual conflito inter-geracional como justificação da crítica que sobre eles é feita, aprendem que «o modernismo de uma época não tarda a ser considerado arcaísmo no começo das novas tendências» (Jorge Macedo:1986), e se negam a ler o passado, acreditando que dele, nada podem tirar, e que podem «partir do grau zero da escrita» (Luís Mendonça, 2010). É comum, nas comunidades literárias, existir conflitos ideo-estéticos, contudo diferentes tendências podem coexistir sem se consumirem. Logo, afastamos a ideia de um eventual conflito inter-geracional e elevamos parte daquelas questões acima colocadas à categoria de interrogação retórica.

A nível da publicação, temos o Movimento Lev’Arte, com duas antologias e diversas publicações individuais; o Berço Literário, com uma Antologia e uma publicação individual; o Requintal, com três obras literárias; o Movimento Litteragris, com duas obras e outras organizações jovens com livros publicados. Eis a questão: Há qualidade nessas obras? Há alguma qualidade em algumas dessas obras, mas, do nosso ponto de vista, há que haver muito mais trabalho colectivo e individual. Se quisermos construir um futuro risonho, só será possível por via de diálogos inter-geracional, oficinas literárias, estudo da língua etc.

A Nível da Divulgação da Obra

A nossa abordagem neste ponto assenta na relação entre o livro imprenso e o livro digital, vulgo E-books, suportados por computador, Smmart Phone e outros dispositivos modernos que permitem a leitura visual. Isto justifica-se pela certeza que temos de que continuarão a ser estes, pelo menos num futuro próximo, os principais meios de divulgação da Literatura e, em particular, da poesia.

Chegará a hora em que não haverá mais livros, apenas telas de computador?

Os apocalípticos acreditam que as novas tecnologias vêm para acabar com o principal suporte da obra literária, o livro imprenso. O surgimento das medias digitais abre um horizonte de possibilidades de circulação da informação literária. Em vez de levar o livro impresso à morte fulminante, como alguns acreditam, os e-books configuram-se como outro suporte de leitura.

Conclusão

Mediante os factos expostos, o futuro da poesia, independentemente do estado actual, será, do nosso ponto de vista, risonho. Vemos com bons olhos o crescimento de alguns jovens que seguramente constituirão a base restrita de poetas com qualidade, que, até mesmo em sociedades culturalmente mais avançadas, nunca se revelaram em grande número. E para que esse quadro se efective, a crítica literária terá de desempenhar um melhor papel e ser mais activa, teremos de ter um ensino com maior qualidade, teremos de ter mais oficinas literárias, cursos de escrita criativa etc. Todavia, é fundamental que os jovens compreendam que o ser humano deve aprender a ultrapassar as adversidades da sua época e, já que muita coisa vai mal , deverão criar estratégias para o futuro que se pretende risonho. E já começaram, com revistas como Palavra & Arte, Kamba, Otchilongo e outras; com conferências, com tertúlias, com muita leitura de escritores angolanos e os clássicos mundiais e com muito autodidatismo para poderem criar o novo e se afirmarem num futuro próximo.

 

[i] Poesia-dita: é todo o texto escrito com a finalidade exclusiva de ser declamado. Com efeito, o poema é quilométrico, quase sempre prosaico e com muitos elementos da oralidade. É uma poesia que visa a despertar a empatia do público e por força disso pertence ao Sistema da Literatura Oral.

[ii] Cânone natural: Usamos esta expressão para designar a obra de um escritor ou grupo de escritores restritos que consegue \ conseguem influenciar uma época sem a força das instituições afins à Literatura. O cânone natural é o não institucionalizado, é geralmente constituído por um escritor, ou por um grupo restrito de escritores que serve / servem de referência para a nova vaga, com uma poética que se distingue do estilo comum, num determinado estágio, até ser institucionalizado ou obliterado por um outro autor.

[iii] Cânone institucionalizado: é um conjunto de obras que são tidas como referências nas salas de aulas.


Este artigo resulta de uma comunicação proferida por nós aquando da realização do FESPOL (Festival de Poesia e de Letras), realizado, recentemente, pelo Movimento Lev’Arte. Uma vez que o tema em abordagem nos afecta, e, possivelmente, poderemos estar sujeitos a abordagens doutrinárias, procuraremos, ao longo do nosso estudo, evitar alguns excessos e guiar-nos por uma atitude intelectual moderada, atendendo-nos, essencialmente, à obra «Apocalípticos e Integrados» de Umberto Eco e ao conhecimento que temos sobre o fenómeno literário contemporâneo em Angola, adquiridos por via dos diversos estudos que temos vindo a desenvolver com afinco, nos últimos três anos.