Luanda, um cemitério de teatros

Aquando da concepção (no período colonial) da então cidade de Luanda, a sua estrutura arquitectónica original possuía os contornos de uma sala de teatro, onde o palco assentava-se na sua marginal. Paralelamente a esta curiosidade, havia pelas artérias da mesma vários pontos de exibições de peças de teatro. Após à independência, tal como a cidade de Luanda, o país foi sofrendo varias mutações do ponto de vista político, social e económico. Em consequência disso, muitas salas foram transformadas em instalações governamentais e não só. Nota-se, como principal exemplo, o espaço onde era a assembleia da república. A cidade transformou-se no maior cemitério vivo, a nível nacional, de teatros, tudo em nome da requalificação e renovação das novas metrópoles.

A nível mundial, o teatro sempre sobreviveu às crises, e Angola não é um caso isolado, sobretudo pelo facto de ter uma independência territorial com uma frescura jovial muito acentuada (em todos os ramos de desenvolvimento). Por isso, o país ainda tem muitos mares de dificuldades por navegar e o antídoto para alguma destas patologias tem sido a força de vontade, a determinação e a camisola do espírito de sacrifício usada pelos fazedores de teatro. Tudo isso aliado a pequenos pedaços de know-how provenientes de Portugal, Brasil, Cuba, e de uma febre de auto didatismo intrinsecamente ligada à proliferação do teatro em Angola.

Embora houve uma iniciativa governamental em 2015 com inauguração dos Institutos Médio e Superior de Artes, onde existe especialização em teatro, ainda existe um silêncio titânico por parte de quem de direito quando o assunto se refere a faltas de salas de teatro.

Com o desaparecimento (o exemplo mais próximo é o do Teatro Avenida que durante a sua existência foi considerado como a catedral do teatro luandense) e subaproveitamento (muitos destes espaços passaram a ser utilizados para realizações de cultos religiosos, festas de qualquer carácter, encontros partidários etc…) das salas convencionais para exibições, a comunidade teatral, de forma singular, passou a dar asas à liberdade do seu poder de improviso, adaptando espaços como quintais, armazéns, salas de aulas, ruas, salões de festas, salas de hotéis, anfiteatros de centros comerciais, de universidades e de unidades militares para apresentações das suas peças por uma questão existencial, sim… tão-somente para fazer prevalecer a sua sobrevivência. Muitas destas iniciativas, fruto de muita teimosia e relutância, resultaram em palcos que até hoje continuam a servir o teatro, e um dos casos mais difundidos é o Elinga Teatro, que fora outrora um centro de educação física e cuja morte já anunciada, embora sem data, é facto consumado (devido as rugas que oferece ao lindo rosto da nova Luanda). Outros exemplos como o Auditório Nzinga Nbande e o salão da LAASP são as casas que têm permitido o não esmorecimento completo dessa arte. Tem sido, actualmente, o principal refúgio da classe fazedora.

Tony Frampernio, encenador da Companhia Enigma Teatro, diz: “de uma forma desesperada, vão se adaptando, e que tudo depende da criação dos fazedores, mas, no entanto, o Estado precisa criar políticas e bases para regulamentar o exercício dos artistas”.

As coisas começam a mudar de rosto fruto desta mesma luta. Actualmente, o teatro construído de raiz mais bem equipado tecnicamente a nível nacional (foi a única inaugurada desde o período pós independência e é fruto de uma iniciativa privada) encontra-se na província de Malange. Foi inaugurada em 2010 e recebeu teatro pela primeira vez em 2012 pela Companhia Enigma Teatro. A mesma denomina-se Cine Teatro Ginga.

Depois do fim da guerra civil, visivelmente, canalizou-se as forças para a reconstrução física e estrutural do país e, claramente, tem-se deixado para um amanhã incerto a saúde cultural da nação. O teatro é um vírus cuja qualidade da sua sobrevivência também passa pela existência de uma célula hospedeira. Precisa-se urgentemente de salas teatro designadas para tal, pois não devemos continuar a sobreviver infinitamente de salas adaptadas.

No meio desse cemitério todo, o único sobrevivente é o Teatro Nacional de Luanda.