Manuel Kanza: entre o profissionalismo e a paixão

A dança é, provavelmente, uma das vertentes artísticas menos prestigiosas em Angola. Um assunto negligenciado, mas que deve ser muito debatido e trabalhado para que se altere nos próximos anos. Felizmente, existem movimentos, projectos e algumas poucas pessoas que, apesar de todos os contratempos, dão o melhor de si todos os dias para que esta arte permaneça viva, não apenas em suas vidas, mas na vida de outros também. Um dessas pessoas dedicadas à sua arte e ao impacto que a mesma tem na vida das pessoas é Manuel Kanza. O coreógrafo angolano dos estilos Popping e Danças (urbanas) Africanas, de trinta anos de idade, tem a dança como a terceira coisa mais importante da sua vida – depois da família e do seu bem-estar – e Michael Jackson e Usher como as maiores influências desde que começou a dançar aos cinco anos. Kanza teve maior visibilidade artística quando participou da primeira edição do programa televisivo de dança Bounce, da Semba Comunicação, no ano de 2008, concurso do qual saiu vencedor, depois que um primo seu o convenceu a fazer o casting (audição). Na entrevista que se segue saberemos mais dos Outros Passos deste bailarino internacional.

Qual foi a sensação de ser um dos bailarinos preferidos de Angola e o que o Bounce trouxe para a sua vida?
A sensação foi muito boa. Isso significa que tenho responsabilidade e que o futuro está nas nossas mãos. Tive a oportunidade de aprender mais sobre como os outros dançarinos desenvolvem as suas personalidades ao dançar e como devo me sensibilizar para dançar em sincronia.

O que o levou a pesquisar o Afrohouse e o Kuduro?
O AfroHouse e o Kuduro são o futuro, a nossa identidade, e eu amo fazer o que é nosso. Sempre dancei Kuduro, desde pequeno. Deixei de fazer por um tempo quando fui viver no Zimbabwe, em 1996. Mas quando regressei, em 2005, voltei a ter interesse. Gostava de fazer Hip Hop e Popping por influência do Michael Jackson e também porque estava na moda, mas, no Bounce, percebi que devia voltar ao Kuduro quando fi aula com o Tony Amado para abertura da segunda Gala. O meu estilo de Kuduro favorito é o underground, e foi o que usei durante a gala no desafio contra Serafina. Mas eu sabia que, se fizesse Kuduro naquela fase, não teria a atenção necessária dos angolanos, no concurso.

Dançar é sempre uma das  actividades mais recomendadas, porque melhora o sistema  sensorial e a actividade cerebral.

Fale um pouco sobre a formação superior no Brasil. O que e de que forma a mesma acrescentou na sua dança?
A formação só se vai fazer sentir quando Angola valorizar os formados em Dança.Falo, propriamente, do Ministério da Cultura em ajudar no desenvolvimento dos profissionais da dança no país. Nós precisamos dessa ajuda. Estamos sem emprego e temos que sair de Angola para trabalhar Não estou em Angola no momento, porque não tem instituição que me dê emprego. Mas não estou triste, tudo a seu tempo. Eu sei que o Ministério da Cultura depois vai olhar para nós.

Quais foram alguns dos trabalhos no seu curriculum que mais teve orgulho de fazer?
Foi um orgulho participar na terceira e quarta temporada do Bounce como professor. Aprendi bastante. Os outros foram o “Rio H2K (Rio Hip Hop Kemp)”, um evento que acontece no Brasil, e fazer parte do “I Love Kuduro”, um projecto que promove a música e a dança angolana em vários países.

Como vê o mercado da dança em Angola?
Nós precisamos mesmo de apoio e agentes culturais com propostas de trabalhos. Os eventos que acontecem em Angola servem apenas para dançar com cantores ou para publicidade, nunca são focados na profissão. Isso é muito complexo. Claro que, nós dançarinos, também podemos criar. Mas não há convites, não há dinheiro. Aqui, nos Estados Unidos, por exemplo, há sempre agentes à procura de profissionais da dança para tudo que envolve marketing, o bailarino tem um papel muito importante na promoção de eventos. Aqui, eles ligam para os profissionais criarem a coreografia dos grupos que vão participar nos eventos; o que importa é a boa imagem e a qualidade que o cliente precisa pra sua marca. Os dançarinos e coreógrafos têm os trabalhos protegidos pelos direitos de autor e pela cultura. O meu sonho é ver Angola deste modo. Sei que vai acontecer, tenho fé!

Na sua opinião, por onde devemos seguir para termos um mercado mais diversificado e apelativo em termos de dança?
A primeira opinião é deixar de pensar que as coisas vão melhorar a curto prazo. Para tudo existe um começo, se a tua iniciativa for boa as pessoas vão apoiar sempre. Dançar é sempre uma das actividades mais recomendadas, porque melhora o sistema sensorial e a actividade cerebral. O valor que você paga ao professor de dança é para tua saúde, para o futuro. É neste sentido que digo que devemos deixar de pensar em resultados a curto prazo. Segundo, devemos olhar para as vantagens da tecnologia, criando websites para encontrar e contratar os melhores da dança. Existem muitos estrangeiros que visitam Angola com a intenção de fazer aula de Kizomba, Semba, Kuduro, e não sabem por onde começar. Deve-se investir em pesquisas e desenvolver mais academias para dança e fisioterapia. Precisamos muito e isso não é fácil.

Os eventos que acontecem em Angola servem apenas para dançar com cantores ou para  publicidade, nunca são focados na profissão. Isso é muito complexo. Claro que, nós  dançarinos, também podemos criar.

É um dos poucos bailarinos em Angola que vive exclusivamente da dança. Como gere a sua carreira? Qual é o segredo para tanto sucesso?
O segredo é deixar o trabalho falar por si. Outra coisa é ter muita disciplina, tanto em termos de comportamento como em gestão do seu dinheiro. O meu grande segredo também é dançar todos os dias em casa. Há muitos bailarinos que dançam apenas quando vão pra academia ensaiar com os amigos. Quando se dança sozinho desenvolve-se mais depressa e quebra-se os nossos limites. Por último, não fiar com medo de críticas ou maus olhares… posta, posta, posta o teu trabalho para o mundo ver. Seja madó com disciplina (risos).

Quais são as técnicas que usa para divulgação do seu trabalho?
Utilizo a internet, a melhor forma de partilhar o meu trabalho. E faço parte de actividades em que as pessoas vão poder ver-me bem, como as actividades em que o foco é a dança.

Por que abriu uma academia de dança?
Desejei ter academia para ensinar e para dar emprego as pessoas que precisam ensinar dança. Desejo promover a capoeira, as danças e biblioteca.

Uma mensagem para todos os bailarinos que tentam singrar em Angola.

Não pensa em sair de Angola para trabalhar, pensa em como desenvolver a sua dança para teres trabalhos em toda parte do mundo. Para singrar na dança em Angola é preciso ter um mentor. Não trabalha de graça. Analise toda oportunidade que aparecer e não aceita qualquer tipo de proposta. Procure ensinar mais as crianças. Sai de Luanda, vai dar aulas nas outras províncias e respeite sempre os outros artistas da sua área. Por último e muito importante, invista no que vai te dar dinheiro e não em coisas de luxo, este é o erro de muitos artistas. A dança precisa de investimento, e para isso você precisar gastar muito para ganhar muito.