Medindo o valor literário do «Roteiro da Literatura Angolana», de Carlos Ervedosa

«O estudioso da Literatura Angolana defronta-se hoje com duas grandes dificuldades: por um lado, o difícil acesso às escassas fontes impressas da riquíssima tradição oral que o nosso povo foi transmitindo de geração a geração ao longo dos séculos; por outro, a ausência de estudos globais e de sistematização que permitam referenciar com facilidade as grandes linhas de evolução desta que é indiscutivelmente, no plano criativo, uma das mais fecundas literaturas de toda a África».

Da contracapa do «Roteiro da Literatura Angolana», de Carlos Ervedosa

Vencedor do prémio literário Maria José da Motta Veiga na década de 70, o «Roteiro (Itinerário) da Literatura Angolana» é, sem dúvidas, um dos poucos livros que procura detalhar os meandros da literatura angolana desde a sua génese. Constituído por doze capítulos, o «Roteiro (Itinerário)» foi escrito por Carlos Ervedosa.

Com o presente texto, vamos procurar fazer uma crítica ao «Roteiro (Itinerário) da Literatura Angolana», de Carlos Ervedosa, e apresentar algumas sugestões para se enriquecer a história da Literatura Angolana.

Escrito de uma forma que prende o leitor até as últimas páginas, o «Roteiro (Itinerário) da Literatura Angolana» apresenta muitos aspectos ligados à oratura, ao jornalismo, à literatura e à construção da nação angolana. No sentido restrito, a literatura é a arte de trabalhar a palavra com o fito de deleite, formação e informação. Tendo em conta a visão mais estreita do que se concebe como literatura, podemos afirmar que muitos dos elementos que Carlos Ervedosa apresentou no seu roteiro em nada têm que ver com a literatura enquanto arte. Um Roteiro pode ser (i) «um livro de bordo em que se consignam todos os pormenores de uma viagem de descoberta ou (ii) texto com os tópicos principais de um trabalho ou discussão». Dessarte, podemos enumerar os elementos que, em nosso entender, não deveriam constar do «Roteiro (Itinerário) da Literatura Angolana», de Carlos Ervedosa:

  1. A abordagem sobre todas as categorias da oratura angolana feita por Héli Chatelain;
  2. A abordagem ligada a quase todos os jornais que foram surgindo em Angola pela imprensa governamental e pela imprensa livre;
  3. Os aspectos ligados aos (movimentos) partidos políticos.

Começando a tecer algumas palavras sobre esses pontos que, depois das várias leituras meticulosas que fizemos ao «Roteiro (Itinerário) da Literatura Angolana» de Carlos Ervedosa, pensamos que, no que tange aos elementos atinentes à compartimentação da oratura angolana segundo Héli Chatelain o que importava para o Roteiro (Itinerário) eram somente quatro classes, no caso, aquelas onde pertencem os mi-soso, as mi-imbu, os ji-sabu e as gi-nongonongo (termo correcto daquilo que Chatelain apud Ervedosa designam por ginongongo). Pois, se pensarmos na ideia do que vem a ser literatura como afirmamos no terceiro parágrafo deste nosso texto, as adivinhas, os contos ligados ao sobrenatural, ao fantástico, à inquietação, a estimulação da mente a poesia, o ritmo e a musicalidade são aspectos pertencentes à Literatura. Todavia, as maka, as malunda e as misendu, por pertencerem «a classe das histórias verdadeiras», não devem ser enquadradas propriamente na literatura;

Sobre a abordagem atinente aos jornais que foram surgindo em Angola, entendemos que, porque a maior parte dos jornais não estavam ligados à literatura, somente o Boletim Oficial (1845), A Aurora (1855), o Almanach de Lembranças (1857), o Luz e Crença (1902) e os Ensaios Literários mereciam ser retratados no «Roteiro (Itinerário) da Literatura Angolana», de Carlos Ervedosa, com mais profundidade.

E porque parece para um leitor mais atento, pelo modo como diz, com certo posicionamento, sobre os elementos ligados aos movimentos de libertação de Angola, que o autor do «Roteiro (Itinerário) da Literatura Angolana» era simpatizante do M.P.L.A – Movimento Popular para a Libertação de Angola e, também, por uma ou outra falha na informação sobre a criação do próprio M.P.L.A, achamos que não devia colocar aqueles aspectos no seu livro. Podemos provar o que afirmamos com as seguintes passagens encontradas na obra em análise: (i) «Três movimentos se apresentam para receber do país colonizador o poder de Angola: MPLA, FNLA, UNITA e, um quarto, de carácter secessionista, autodenominado FLEC. Mas o MPLA, consciente da sua missão de verdadeiro guia do povo angolano, irá derrotar todos os seus rivais numa campanha militar que ficará conhecida por «Segunda Guerra de Libertação Nacional»» (p. 120). E (ii) «Em 1967, Deolinda Rodrigues de Almeida, que cinco anos antes fundara a OMA, fazia parte juntamente com mais quatro companheiras, de uma coluna que procurava reforçar em quadros a 1ª região PolíticoMilitar do MPLA. (…) As cinco são apanhadas e entregues a FNLA, que as assassina barbaramente: Deolinda, Irene, Engrácia, Tereza e Lucrécia» (p. 111). Com as citações ora apresentadas, denotase um dado afecto, uma dada parcialidade, nas palavras do autor que, por se tratar de explanar os meandros dos fenómenos literários do país do Cordeiro da Matta, não fica bem relevar acontecimentos de cunho políticopartidário.

O «Roteiro (Itinerário) da Literatura Angolana» é, apesar de umas ou de outras falhas, um livro importante para os professores, estudantes e todos os amantes dos fenómenos literários que ao longo dos tempos vão surgindo neste país de 1.246.700 km², pois, com ele, podemos compreender muitas coisas sobre a génese da Literatura Angolana. Em nosso conceber, é um livro de quatro estrelas.

Por outra, tendo em conta que o «Roteiro da Literatura Angolana», do luandense Carlos Ervedosa, escrito em doze capítulos, encerra com os episódios que surgiram na década de 70 (1970), a Independência Nacional (1975), a criação da UEA – União dos Escritores Angolanos (1975) e o início da edição, no Lobito, dos Cadernos Capricórnio, urge a necessidade de se escrever os novos capítulos do itinerário que a instituição Literatura Angolana foi tomando de 1980 até 2019, o que exigirá imparcialidade, coragem, investigação, apoio material, imaterial e financeiro ao(s) estudioso(s) que pretender(em) fazer esse estudo a bem da instituição Literatura Angolana.