Neologismos e arcaísmos da nova década

A literatura existente apresenta-nos os neologismos e os arcaísmos no plano dicotómico, representando, respectivamente, novo e velho. Na nossa realidade cultural, a velhice não representa invalidez nem caducidade e, por outro lado, a novidade pode estar no plano lógico ou no formal. A moda, sempre actual, trouxe à ribalta muitos neologismos e, no nascimento desta década, a COVID-19 atingiu o auge da fama e, rapidamente, deu-se a conhecer no mundo inteiro, muito pelo perigo que representa e sua capacidade de propagação. Como os males nunca vêm só, a pandemia da década arrastou, para o rol do estrelato, neologismos e anestesiando vários falsos arcaísmos.

O verbo prorrogar instalou-se na boca de todos e, quase 50 anos depois do nascimento da República, o ESTADO DE EMERGÊNCIA deu-se a conhecer, mudando o modus operandi e vivendi do cidadão.

A CASA, muito banalizada no reino Ngola durante décadas e negada ao povo durante séculos, foi forjada em abrigo contra o INIMIGO INVISÍVEL mais letal que o mundo conhece. De tempo em tempo, o famoso verbo prorrogar é notícia, seguida do conflituoso nome feminino, a QUARENTENA. A instituição virou domicílio para mostrar que uns estão mais próximos do rei, enquanto, no povoado, se atesta que a QUARENTENA INSTITUCIONAL é mais confortável. No final das contas, a DOMICILIAR chamou a TRANSMISSÃO LOCAL às zonas cercadas por ngadyamas.

O corona vírus, outro famoso, que tem a cauda de 2019, não obrigou apenas a ficar QUARENTENADO, porque, de tanto prorrogar, o ISOLAMENTO e o DISTANCIAMENTO SOCIAL precisavam de ser ensinados ao povo, mas por ser mais um novato nesse mbanji, o nguvulu não se lembrou disso. O CONFINAMENTO quase não existiu no musseque e a CERCA SANITÁRIA representava o cancro para os pacatos, que, mantê-las invioláveis, tinham como missão.

Por prorrogar, confinar, distanciar e isolar, associado ao pânico de se chegar à TRANSMISSÃO COMUNITÁRIA, ganharam pernas os HOMEOFFICES, as TELE e RÁDIO-AULAS nasceram e, repentinamente, perderam o encanto.

Avolumaram-se as makas, com eles os neologismos. Os pacientes da moda foram transformados em CASOS POSITIVOS. Deu para criamos até CONTACTOS DIRECTOS e INDIRECTOS porque o DISTANCIAMENTO FÍSICO e o isolamento social são a arma segura de combate contra a pandemia da década.

Os neologismos ganha forças entre os seres humanos, procrastina-se a passagem para o mundo arcaico as indefinições, os temores e o sofrimento do homem, que há muito tempo deixou de viver, para apenas resistir à extinção da sua espécie.

A profissão, muito esforçada, confunde-se agora com o corona vírus, porque o centro das operações metamorfoseou-se em mortíferas armas, que certificam o extermínio do mundo, comandado pela malária e suas aliadas.

Neologismos de forma e de sentido legitimaram a estratificação da pobreza enquanto a indiferença dos poderosos diante da desgraça dos governados agudiza o fosso que separa a maioria dos super privilegiados. 

Renascem os ngadyamas kunangas, os do privado, os micheiros, os do mercado e os ngadyamas robotizados. Estes estão vinculados aos organismos do Estado, mas não fazem senão mendigar e roubar aos demais ngadyamas ou lamber as botas dos arcaicos intocáveis, sociopoliticamente sempre actuais.

Que se libertem os neologismos e arcaísmos, e ganhe vida a consciência perdida no orgulho individual e na irresponsabilidade de quem se comprometeu a servir aos seus, mas perdeu-se no tempo e no espaço, deixando-se instrumentalizar e subjugar quem nele confiou o seu destino.

Pensar e governar para o bem-estar de todos que representam, reassumindo os nossos destinos e proporcionando estilos de vida melhores às futuras gerações, deve ser o neologismo obrigatório e sempre urgente, a partir do qual nascerão tantos outros, afinal o sol deve representar também sonhos melhores para todas e todos.