É de pequeno que se torce o pepino, ou melhor, devemos educar a criança para não punirmos o adulto. É desgostoso olhar para a divagação de muitos linguistas à volta do assunto ensino da norma e desenvolvimento de literacia nos alunos. Não faz sentido atribuir as culpas todas aos professores de língua quando sabemos quem são os culpados da nossa carência cultural.
“Se esperamos viver não somente de momento a momento, mas na plena consciência da existência, então a nossa maior necessidade e a nossa mais difícil realização é encontrarmos um sentido para as nossas vidas” (Bettelheim, 1985, pp. 15-16). Com isto, pretendemos afirmar que os textos dos cânones literários, que figuram nos nossos manuais (Angola) de ensino de base da Língua Portuguesa, que, se calhar, vão constituir O Plano Nacional de Leitura, não têm nenhum sentido para a resolução do nosso problema existencial, são tão desgostosos, não estimulam, nem alimentam os recursos de que a criança necessita, em ordem, para enfrentar os seus difíceis problemas interiores.
Segundo Bettelheim (idem), nada é mais importante do que o impacto dos pais e dos que tomam conta das crianças, mas a nossa HERANÇA CULTURAL tem de ser transmitida à criança de forma acertada. “Quando as crianças são pequenas é a literatura que, da melhor maneira, contém essa informação. VOLTEM AS FÁBULAS E OS CONTOS ÀS CLASSES INICIAIS, pois a aquisição de habilidades, incluindo a da leitura, perde valor quando o que se aprende não acrescenta nada de importante à nossa vida.
Reitero: a língua não é só gramática. “A gramática viva da Língua Portuguesa pode ser estruturada e ensinada tendo como base os binómios nome/verbo e determinante/determinado.” (Dequi, 2016, p. 12). A criança, ou o falante, não precisa saber que está a usar o conjuntivo, mas ter noção das suas intenções comunicativas. Língua é COMUNICAÇÃO, e ensinar uma língua é ensinar a comunicar nessa língua. Portanto, o objectivo da escola é ensinar o português padrão. Embora seja uma violência político-social para as classes mais desfavorecidas, qualquer outra hipótese é um equívoco político-pedagógico.
Sendo o papel da escola ensinar a língua padrão, o Estado tem que criar condições para termos um ensino da língua padrão de qualidade, pois o conhecimento científico, como o empírico, gira em torno de saber usar correctamente o padrão, apesar de que ensinar uma língua não consiste em ensinar gramática, mas em preocupar-se com o modo como os princípios ou as regras gramaticais podem ser deduzidos a partir de um texto, visto que a finalidade tradicional de descrição dos princípios e/ou regras gramaticais, que actuam na construção de frases de língua portuguesa e os métodos expositivos para o ensino da gramática desmotivam os falantes/aprendentes (Vilela & Agostinho, 2012, p. 2). Comunicar, ou melhor, falar e escrever não é nada mais do que determinar nomes e verbos. Assim sendo, é preciso ensinar as crianças a comunicar desde a tenra idade, ou seja, ter noções de situações formais e informais e adequar a sua comunicação segundo esses contextos.
Em síntese, uma língua não se ensina, aprende-se, porque a capacidade de aprender a falar qualquer língua é universal, mas aprende-se a usá-la, isto é, a comunicar. Todavia, não se aprende por exercícios, mas por práticas significativas e contextualizadas. (Possanti, 1996). Hoje em dia, está claro que conhecer uma língua é uma coisa e conhecer a sua gramática é outra. Então, paira no ar a questão: devemos ensinar língua ou ensinar gramática?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bettelheim, B. (2013). Psicanálise dos Contos De Fada. Lisboa: Bertrand Editora.
Dequi, F. (2016). Exegese da Neopedagogia Da Gramática – escolarização do Português. Lisboa: Academia de Ciências de Lisboa.
Freitas, A. V. & Agostinho, I. F. (2012). Gramática Básica, Didáctico-Pedagógica da Língua Portuguesa. Luanda: Edilivro.
Possenti, S. (1996). Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras e Edição Livraria.