Olhos cor da lua

Numa noite suja e barulhenta, bem distante dos olhos do mundo, comprei duas garrafas de uísque e  bebi-as em seis tragos. Desci o prédio quase cambaleando, andei por dois quilómetros e caí. Fiquei ali deitado, sem forças, ouvindo a voz de minha mãe e, antes que pudesse responder, o universo chamou por mim, ofereceu-me uma nova oportunidade, quase aceitei, mas hesitei e chamei por Maria, minha índia Tibethânica.

 ”Viajo nos dissabores dessa brisa leve  quase refrescante, proveniente do deserto de sentimentos chamado vida. Me perco no desejo constante de olhar seus olhos cor de Lua, outra vez e  confessar-lhe o mais íntimo de meus segredos em forma de pecado: beijei a origem da vida. Beijei-a no lugar em que a intensa procura por um deus omnipotente tortura os humanos. Beijei-a na escuridão unicolor da terra e renasci ali mesmo; sem sonhos, nem medos, vazio e com uma mancha de batom vermelho na camisa”.

 Vivo pelas noites sujas e barulhentas no bar do cota Eduardo na Ilha de Luanda. Nunca sei o que fazer, bebo e bebo mais um pouco, recito poemas escritos para Eva que não é Eva, mas sim Maria. Canto, canto uma solidão intensa, imensa, uma solidão póetica sem lágrimas. Na última noite do ano de dois mil e catorze, todo cheio de mim e de uísque no organismo, subi ao palco e comecei a tocar e cantar, calmamente, Formidable de Stromae em um francês arranhado:

Formidable, foormidable
Tu étais formidable, j’étais fort minable
Nous étions formidables
Formidable
Tu étais formidable, j’étais fort minable
Nous étions formidables

A primeira lágrima caiu logo após o refrão, ninguém sabia que música era e porquê lacrimava. Muitos não prestavam atenção, uns gritavam: “Bêbado!” Vi sentada uma mulher com as mãos sobre a maçaneta da porta dos fundos. Era esbelta. Tinha um vestido de festa vermelho e preto seriamente extravagante. Seus olhos cor de Lua fizeram-me rememorar Maria, sua poesia corporal e seus lábios-floco-de-neve. Cantei para aquela desconhecida, perdi meu medo e mergulhei na música como nunca fizera. Não me reconheci, era outra pessoa. Um artista confiante.

“Havia pouco mar no céu daquela noite, seus olhos repletos de emoção
deixaram-me perdido no silêncio barulhento daquela noite e dançamos em
palavras cintilantes  proferidas pelo meu olhar”

 Acabamos a noite embaixo de uma árvore á beira de numa praia qualquer na Iha de Luanda, eu recitando poemas e ela mofando do meu patético amor por Maria. O sorriso dela carregava um pedaço de dor, a distância entre nossos corpos tornou-se menor e só então percebi que:

A distância entre dois corpos está na melodia que cada alma canta. Minha alma cantava minha dor convertida na música de Stromae,  e a alma dela cantava sua esperança de voltar a amar evidente em seus olhos cor de Lua”.

 

 

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