Há quem ainda se pergunte qual é a diferença entre “poesia” e “poema”. Mais grave ainda é que há professores que se dizem de Língua Portuguesa que têm dificuldades em explicar a diferença entre os lexemas “poesia” e “poema” por razões que, por enquanto, não fazem parte deste fórum. Pior do que qualquer coisa dita a cima, é a incapacidade de analisar o novo enquadramento semântico que, particularmente, a palavra “poesia” tem sofrido. E pior ainda é que quem a enquadra são os próprios falantes, para serem eles também a questionarem as estruturas lexicais “livro de poesia ou livro de poema?”
É unânime no seio dos teóricos literários que «poesia» e «poema» encerram conceitos diferenciados, segundo à sua etimologia, particularmente. Esta diferença revela-nos que a poesia é encontrada em todas as formas de arte, confundindo-se com a própria arte. Como qualquer forma de se fazer arte tem em si mesma a necessidade de comunicação, a poesia é, portanto, um meio através do qual se propaga a linguagem. Quanto ao poema, percebe-se como sendo o texto em que se revela a poesia na arte literária. Escrito em verso, o poema é o produto de um poeta, aquele que se apropria da poesia para expressar o que, comummente, dizem, ou seja, sentimentos, o que lhe vai na alma, embora se saiba que o “o mundo exterior… não representa para o eu lírico uma objectividade valida enquanto tal…” (Aguiar e Silva, 2011, p. 584), ou seja, também o poeta pode se apropriar de terceiros para forjar, ainda assim, o que lhe vem da alma – Lembrar que, esteticamente falando, expressar sentimentos e emoções não basta para se ter um texto poético.
Entre todas as formas artísticas, não deve existir uma que se apropriou tanto do lexema «poesia» como a arte literária. De modos que se criou uma ideia generalizada, entre os leigos, em relação a esta matéria, de que poesia é apenas texto escrito, referente ao poema. Até aqui, não podemos dizer que estejam equivocados, porém, por outro, podemos levantar a hipótese de estarem.
Falando de lexemas, sabe-se que as palavras têm vida própria e mutável, semanticamente falando, adaptando-se, normalmente, em diferentes contextos ou situações comunicativas. Nesta ordem, «poesia» há muito que saiu do seu estado de conforto morfossintáctico e semântico por esta e pela razão já expressa no parágrafo anterior.
Por isso, quando se questiona se o correcto é dizer «livro de poesia» ou «livro de poema», responderíamos, com certeza, que tanto um como outro são aceitáveis. Se nos referimos a livro, não estaríamos a falar, obviamente, de artes plásticas, música, escultura, dança ou cinema, estaríamos a falar, claramente, apenas da arte literária. Portanto, o lexema livro remete-nos a poesia na literatura e, consequentemente, ao poema, isso quanto ao género do suposto livro.
Portanto, não basta olharmos para os dicionários como deuses do conhecimento lexicográfico e semântico das palavras, visto que são obras que, além de não colherem todas a unidades lexicais de uma língua, precisam constantemente de serem actualizadas, pelo que não se pode prender ao que nos informam, precisando sempre de uma abordagem mais descritiva e diacrónica pela dinâmica da própria língua. Foi o que, em poucas palavras, procurámos fazer nesta abordagem. Por fim e por esta razão, sugiro a não se incomodarem com “poesia” como sinónimo de “poema” ou texto em verso.
Referência Bibliográfica
Aguiar e Silva, V. M. (2011). Teoria da Literatura. (8.ª Ed.). Coimbra: Edições Almedina.