PROFISSÃO E ARTE – relação de óbito

Em países em que o nível de literacia é elevado, escritores são ricos e vivem da arte de escrever. Diria o mesmo de todas as artes, certo de que há aquelas que, na sua essência, acabam por ser mais comerciais em comparação às outras. Em relação aos escritores que conseguem viver da arte de escrever, dir-se-ia que vivem da sua profissão (?). Mas são muitos que não conseguem sustentar-se da arte, mesmo nestes países em que o interesse pelos produtos artísticos é grande, de tal modo que exige do governo criações de políticas e condições para o ensino e formação de artistas e de todo um elenco à volta do mundo artístico. O que me preocupa é a relação entre a arte e a profissão. Será possível uma relação aceitável entre elas, tendo em conta o fim de cada uma? Proponho-vos uma reflexão à volta desta questão.

A arte é e será sempre uma manifestação do imaginário do artista. Mesmo que seja uma mimese, imitação da realidade, esta ainda será fruto da imaginação, já que imitação não é, necessariamente, a descrição de factos. Se assim fosse, artista, seria fácil de ser. Por esta ordem, o artista é um ser isolado, silencioso, até egoísta, pois, só nestas circunstâncias é que se encontra com o mundo da imaginação, da criação. É uma manifestação pessoal, de modos que não tem como objectivo agradar a ninguém, embora venha a agradar. Ou seja, o fazedor da arte não se faz para os apreciadores da arte, são estes que têm de dar vida à obra, ao produto, e não o autor se submeter aos prazeres dos receptores de seu trabalho. Assim deve ou deveria ser.

Na nossa realidade, realidade angolana, ser artista é um risco, pois são eles colocados entre a sustentabilidade e o gozo artístico, entre a necessidade de comida e a morte do sonho artístico. De duas, uma: quer ser artista, aguenta a fome e não sonha em ser rico ou faz alguma coisa parecida à arte para agradar a gregos e a troianos, mantendo o fogo sob as panelas.

Estou a querer dizer que fazer da arte a busca do nosso pão, faz-nos qualquer coisa, menos artistas, pois, para se ter o que comer, teremos de nos submeter aos caprichos comerciais, produzir para vender. E quando o (suposto) artista chega a este ponto, é a assinatura para o boletim de óbito da arte e o nascimento da profissionalização da arte. Parece contraditório. Mas não. Profissionalizar a arte é enterro para a arte.

Graças a Deus ou seja lá a quem for, esta realidade não se verifica em todo o mundo. Como disse no princípio da minha abordagem, há quem viva da arte, mas tenho as minhas dúvidas se, nestes casos, podemos dizer que houve profissionalização. Houve, sim, uma consequência da qualidade da obra, do artista, ainda que isto continue a ser um risco, uma faca de dois gumes, podendo, na distracção da fama, “bondar o artista” e tirar a graça ao filme.