«Ventre Negro» é uma obra prosaica em formato digital que compreende 7 narrativas que nos encaminham até à alma de um Camama agitado, engaiolado no negro ventre que ainda conserva os ritmados sons do ngoma, da marimba, da dikanza e os deslizantes passos da masemba. Estas narrativas, do ponto de vista da taxonomia literária, podem assumir-se como cronicontos na medida em que encerram um certo hibridismo que oscila entre o conto e a crónica narrativa. Trata-se de uma prosa realista muito bem conseguida com marcas do surrealismo e do realismo animista.
Ele trata-me como se já não haveria outra vez, como se já não existisse outro ser humano no universo. Seus olhos concentram-se em minha face, gerando impacto, porquanto ele me observa como se… como se contemplasse sublime performance em uma secular e espectacular obra de arte
Sentado no coração de Luanda, o homem apreciava as pessoas, os carros que, possivelmente, raramente via passar pelas ruas da sua zona de conforto, as torres e as águas que dançavam num sobe e desce por entre as quatro banheiras que enfeitavam aquele largo que encerra a maior e mais linda imagem do primeiro presidente do território que viu Cordeiro da Matta nascer.
A hora H é para nós aquela hora em que tudo de bom acontece, é como a hora da verdade para o Petro de Luanda e adeptos; os adversários, por mais contundentes que sejam, evaporam e se desfazem no ar. É assim, como se nos apresentou o mês de novembro, cheio de bons ventos a soprar-nos a alma e empurrar-nos para o canto da permanência, se quisermos dizer, para o canto eterno das coisas. Embora estejamos no manto da dor, afinal, neste mesmo mês a vida permitiu que perdêssemos a substância de dois grandes homens,tradutores dum mundo incompreendido.
A manhã tinha tido, até à entrada das sete horas, a cor das paixões humanas e a fala natural do vento – há sempre uma direção a seguir! Guiada pela parte em que a sombra dava vida ao metro quadrado da sala enquanto a luz do dia sem o peso do sol penetrava às persianas, apalpou o soalho com a nudez da palma dos pés, estava frio, embora o inverno fosse uma criança sem meses; no coração da sala encontrou, sobre a mesinha cristalizada onde moravam os livros selecionados há já algum tempo, uma fotografia onde se namoravam dois elefantes – as trombas, dadas uma a do outro, faziam lembrar as amarras da África de um pano qualquer, porém, sólidas como a idosa viuvez de Eugenia, a Maria. Nua, ainda, procurou tocar a profundidade daquela fotografia com os olhos
Mas ela cantava, se a guitarra ou ela, mas cantava, suspiros que me envolviam em abraços que dispensavam o corpo; voz e ouvido acasalavam-se e comentários viam-se para o mundo exterior, livre por cada nota, do Dó ao Dó com o Fá a servir-se como ponte da receptividade do alheio à minha volta. À nossa volta.