Ela nasceu na mesma rua e época que eu, no bairro dos Eucaliptos, periferia da capital do Namibe, que até antes da década de 80 do século passado era praticamente desabitado. Montes de areia desenhavam o nosso berço. O tempo passou desde a altura que a nossa terra era um autêntico areal. Hoje é um espesso lamaçal, nas raras ocasiões de chuva, e a Nguevinha é mãe de oito filhos. Uns, descalços e empoeirados, vagam pelas ruas do bairo e outros, zungueiros de saco preto, na pracinha do Kapeke. O mais velho, com menos de 16 anos, é açougueiro. Dizem que em cada amontoado de crianças que se encontre a brincar pelo bairro, há, no mínino, um que seja filho da Nguevinha. Read More
Geralmente, todo escritor enfrenta pelo menos três problemas: escrever, publicar e ser lido. Escrever não é fácil, pois muitas vezes as palavras são frutos do sofrimento, marca inevitável da personalidade do artista. Escrever é, primeiramente, vencer a si mesmo, sem medo, resignado e apto a transferir os conflitos pessoais em arte. O segundo grande problema enfrentado pelo escritor é uma missão titânica em Angola, publicar um livro. Não por falta de editores, mas por questões socioeconómicas. Read More
Fodíamos todas as noites — era assim que começava o livro dela. Um romance de mau gosto que devia ter sido escrito com os dedos sempre húmidos. Não faltava no livro palavras que se ouvem apenas de mulheres húmidas. Enquanto ouvia ler este Atestado da Intensidade Erótica, pensava nela, vigorosa e cálida, a surgir coberta de roseiras-rubras nos seios e no sexo. Era o segundo livro e terminava com uma convocação de traições e sangue, depois de uma sucessão de lugares-comuns. Read More
A cultura de “sócia” consiste na divisão do valor total de mercadorias em caixa. Se uma caixa de coxa de frango custar oito mil kwanzas, duas pessoas ou mais juntam partes iguais do valor total e compram a caixa, dividindo-a em partes iguais para cada pessoa ou “sócia” da “sociedade”. Como disse, as compras são normalmente trabalho de mulheres e só por isso é que esta cultura não se denomina “sócio”, nem que uma das partes da partilha ou divisão seja homem Read More
A versatilidade temática do género levantava uma bandeira clara: jovens periféricos podiam tomar posse dos seus próprios discursos e serem activos na edificação das próprias vidas e na vida das respectivas comunidades. E esses discursos não eram restritos ao verbo, isso espalhou-se aos outros elementos da cultura. Essa bandeira acabou por contagiar o mundo e Angola não foi excepção. Read More
Com sala ocupada acima do limite por gente vinda de várias latitudes da cidade de Luanda e não só, o certame foi essencialmente preenchido com intervenções que trouxeram a terreiro o perigo, cada vez mais evidente, da extinção das línguas nacionais, tidas como elemento primordial da identidade cultural de qualquer povo, numa altura em que, volvidos quatro décadas depois da Independência Nacional, a desculpa do colonizador e do seu tipo de colonização já não colhe. E foi nesta senda que Cesaltina Kulanda, que também é jornalista, recomendou à população e, principalmente, ao governo a incrementar esforços e redefinir políticas com vista a evitar a extinção das línguas nacionais. Read More