Tirocínio: recensão ao editorial «O vácuo da crítica literária em Angola», de José Luís Mendonça

«(…) e a sua cabeça foi trazida num prato (…)

                                                        e chegaram os seus discípulos

                                                        e levaram o corpo…»

                                                                                    (Mateus, cap. 14)

José Luís Mendonça, nascido a 24 de Novembro de 1955, no Golungo-Alto, província do KwanzaNorte, escritor e jornalista, antigo membro da União dos Escritores Angolanos, autor de «Chuva Novembrina», «Gíria de Cacimbo», «Respirar as Mãos na Pedra», «Quero Acordar a Alva», «Logarítmos da Alma», «Ngoma do Negro Metal», «Angola me Diz Ainda» e, entre outras obras, «O Reino das Casuarinas», publicou, no dia 3 de Julho de 2018, na qualidade de EditorChefe do Cultura, Jornal Angolano de Artes e Letras, suplemento do Jornal de Angola, um editorial intitulado: «O Vácuo da Crítica Literária em Angola».

A substância do artigo supramencionado é de per si polémica, pois apresenta um conjunto de elementos que nos deixaram a pensar e, como trabalho para a conclusão de um dos módulos do curso de Mestrado em Literaturas de Língua Portuguesa, pela Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, produzir a presente recensão. O jornalista apresenta a sua visão sobre o que considera como crítica, faz uma homenagem a Dionísio de Helicarnasso, diz que Luís Kandjimbo é o único ensaísta angolano, o Professor Doutor Mário Reis ladeado pelo Professor e Escritor Hélder Simbad são, somente, aqueles que estão a dar os primeiros passos neste domínio, e, para finalizar o seu artigo, afirma que os pressupostos para fazer crítica literária são os mesmos desde a época de Dionísio, nascido na Ásia Menor, em meados do século I a.C.

O referido texto é relevante na medida em que traz ao de cima um assunto de que pouco se fala em Angola, pois a crítica literária pode ser o garante da qualidade das obras publicadas ou mesmo das que vão sendo publicadas e material para a historiografia da literatura de qualquer país. Porém, nota-se algum exagero e pouco conhecimento do assunto em algumas passagens daquele editorial.

Por um lado, podemos afirmar que houve algum exagero no texto porquanto pensase que só duas pessoas, no caso, Mário Reis e Hélder Simbad, produzem crítica literária em Angola. E, por outro lado, quando se tem em conta que Luís Kandjimbo seja o único ensaísta angolano e que os mecanismos para se fazer crítica são os mesmos desde os tempos de Dionísio.

Ao ler «O Vácuo da Crítica Literária em Angola», fica-se com a ideia de que a crítica literária só deve ser feita às obras dos «bons escritores», todavia o mesmo contradizse ao afirmar, no seu sexto parágrafo, que os jovens autores e alguns escritores que, no pensar de Mendonça, foram, injustamente, galardoados com prémios de literatura em Angola também a necessitam «para se lhes provar porque é que nunca produziram obra de excelência» (em o nosso entender, pensamos que se referia ao vencedor da categoria de Literatura do Prémio Nacional de Cultura e Artes 2014). 

Não sabemos como é que Mendonça e a Wikipédia julgam ser um «bom escritor», contudo entendemos que a crítica literária deveria ser feita por qualquer obra de qualquer que seja o escritor, pois, assim, os leitores perceberiam quais obras ler e quais obras não ler e se evitaria, ainda, aquilo que chamamos de «elitismo literário».

Ora, considerar Luís Kandjimbo como o único ensaísta em Angola; o Professor Doutor Mário Reis e o Professor Hélder Simbad como os únicos que estão a dar os primeiros passos neste domínio demonstra uma visão tradicional do autor do editorial quando o assunto é «Crítica Literária» e que o mesmo só tem lido o que se lhe vai chegando por meio do suplemento «Cultura», porque, entre os anos 50 e 70 do século passado, literatos angolanos como Eugénio Ferreira e Mário António já produziam muitos ensaios e uma ou outra crítica literária. E, hodiernamente, há mais pessoas a produzirem críticas e ensaios atinentes à Instituição Literatura Angolana, publicando na revista e site «Palavra&Arte» (Angola), «eisFLUÊNCIA» (Brasil/Portugal) e no jornal «O País» (Angola).   

O problema é que desde as origens da literatura escrita em Angola, muita boa gente vem pensando que, como afirmamos num dos artigos por nós publicado na jocosa revista «Palavra&Arte» (2018), «a crítica literária é uma acção, actividade, que visa, somente, depreciar uma ou várias obras». A crítica literária, em verdade em verdade, é uma actividade que, mais do que depreciar uma obra, tem o objectivo de fazer com que o belo em literatura seja exaltado, reconhecido ou analisado. Por outra, ela tem o condão de dar luzes para a (re)construção da trama de uma obra que, por razões da inexperiência ou fraca genialidade do seu autor, acaba por não levar o(s) seu(s) leitor(es) a atingir a katarsis, a ver a mimese no seu mais alto nível». Outrossim, levanos a pensar que o jornalista desconhece que a literatura é inteligível e que todos os trabalhos feitos com os materiais literários podem ser vistos como pertencentes à fortuna crítica de um escritor ou de toda uma instituição literária, ou seja, que para além da crítica jornalística há a crítica académica (que envolve todos trabalhos de fim de curso e de dadas cadeiras, que tenham como corpus as obras literárias, feitos quer pela reflexão filosófica quer pela parte linguística, antropológica, histórica, sociológica ou psicológica).

Ainda, em o nosso entender, é errado pensar que ser crítico hoje é o mesmo que no tempo de Dionísio de Halicarnasso, porque hoje a leitura crítica necessita de ser vista não apenas pela estética, mas, também, pelo conteúdo das obras que foram e vão sendo dadas à estampa. Pelo que há insuficiências naquele editorial, uma vez que não se explana qual é o trabalho árduo para se ser um bom crítico literário. Complementandoo, aqui, deixamos claro que ler constantemente, conhecer as teorias da literatura, ter uma visão enciclopédica e fazer o esforço para evitar o pathos e as doxas devem ser aspectos a se ter em mente para quem deseja chegar a crítico literário.

se, também, que o editorial chama atenção para a inexistência de críticos literários profissionais formados pela academia angolana. Para nós, a academia não forma críticos, o crítico qual o escritor autoformase. A academia deve fornecer subsídios (materiais, conhecimentos e apoio financeiro) para o trabalho do crítico. Ora, explanando a quase não existência de «críticos profissionais que, com regularidade se pudessem dedicar à crítica literária» em Angola e em quase todo o mundo, hoje por hoje, é raro sobreviver produzindo crítica literária, visto que este exercício exige tempo e quase ninguém paga os potenciais críticos literários profissionais.        

Quanto a coragem para provar a nulidade de certas obras literárias, há sim ensaístas com tal bravura, mas, acreditamos que o autor do editorial saiba que, ao criticar severamente uma obra de um dos escritores tidos como marco ou de grande relevância na instituição Literatura Angolana, as oportunidades do crítico chegam a ser barradas por determinadas instituições ligadas ao Sistema. Ora, é verdade que quase não há espaço ou se apoia o talento daqueles que vão, humildemente, trilhando o caminho para se chegar a crítico literário profissional. 

À guisa de conclusão, podemos dizer que «O Vácuo da Crítica Literária em Angola» é um editorial que faz pensar seriamente na qualidade do ensino da teoria da Literatura, das literaturas; na Crítica Literária; na Ensaística, nas políticas de produção e divulgação do livro em geral e, em particular, das obras literárias; bem como sobre os meios de divulgação das críticas, porquanto há mais algumas pessoas a produzirem, porém poucos são os jornais e revistas que vão aceitando publicar os seus textos, porque os escassos jornais e revistas que existem já têm os seus escritores, ensaístas e críticos residentes, para além de não pagarem quando, raramente, os outros lá publicam.

     Igualmente, aconselhamos os jornalistas a ponderarem um pouco nas suas afirmações, porque podem correr o risco de errar ou de beliscar a verdade. Quando se trata das Humanidades, o quase é sempre melhor do que o absolutismo nas nossas reflexões.

 A bem da literatura angolana!